segunda-feira, 15 de novembro de 2010

"O REVOLUCIONÁRIO SINCERO"


"No curso das elucidações domésticas, Judas conversava, entusiástico, sobre as anomalias
na governança do povo, e, exaltado, dizia das probabilidades de revolução em Jerusalém,
quando o Senhor comentou, muito calmo:
— Um rei antigo era considerado cruel pelo povo de sua pátria, a tal ponto que o principal
dos profetas do reino foi convidado a chefiar uma rebelião de grande alcance, que o arrancasse
do Trono.
O profeta não acreditou, de início, nas denúncias populares, mas a multidão insistia. “O
rei era duro de coração, era mau senhor, perseguia, usurpava e flagelava os vassalos em todas
as direções” — clamava-se desabridamente.
Foi assim que o condutor de boa-fé se inflamou, igualmente, e aceitou a idéia de uma revolução
por único remédio natural e, por isso, articulou-a em silêncio, com algumas centenas
de companheiros decididos e corajosos. Na véspera do cometimento, contudo, como possuía
segura confiança em Deus, subiu ao topo dum monte e rogou a assistência divina com tamanho
fervor que um Anjo das Alturas lhe foi enviado para confabulação de espírito a espírito.
À frente do emissário sublime, o profeta acusou o soberano, asseverando quanto sabia de
oitiva e suplicando aprovação celeste ao plano de revolta renovadora.
O mensageiro anotou-lhe a sinceridade, escutou-o com paciência e esclareceu: — “Em
nome do Supremo Senhor, o projeto ficará aprovado, com uma condição. Conviverás com o
rei, durante cem dias consecutivos, em seu próprio palácio, na posição de servo humilde e fiel,
e, findo esse tempo, se a tua consciência perseverar no mesmo propósito, então lhe destruirás
o trono, com o nosso apoio.”
O chefe honesto aceitou a proposta e cumpriu a determinação.
Simples e sincero, dirigiu-se à casa real, onde sempre havia acesso aos trabalhos de limpeza
e situou-se na função de apagado servidor; no entanto, tão logo se colocou a serviço do
monarca, reparou que ele nunca dispunha de tempo para as menores obrigações alusivas ao
gosto de viver. Levantava-se rodeado de conselheiros e ministros impertinentes, era atormentado
por centenas de reclamações de hora em hora. Na qualidade de pai, era privado da ternura
dos filhos; na condição de esposo, vivia distante da companheira. Além disso, era obrigado,
freqüentemente, a perder o equilíbrio da saúde física, em vista de banquetes e cerimônias, excessivamente
repetidos, nos quais era compelido a ouvir toda a sorte de mentiras da boca de
súditos bajuladores e ingratos. Nunca dormia, nem se alimentava em horas certas e, onde estivesse,
era constrangido a vigiar as próprias palavras, sendo vedada ao seu espírito qualquer
expressão mais demorada de vida que não fosse o artifício a sufocar-lhe o coração.
O orientador da massa popular reconheceu que o imperante mais se assemelhava a um
escravo, duramente condenado a servir sem repouso, em plena solidão espiritual, porquanto o
rei não gozava nem mesmo a facilidade de cultivar a comunhão com Deus, por intermédio da
prece comum.
Findo o prazo estabelecido, o profeta, radicalmente transformado, regressou ao monte
para atender ao compromisso assumido, e, notando que o Anjo lhe aparecia, no curso das orações,
implorou-lhe misericórdia para o rei, de quem ele agora se compadecia sinceramente. Em
seguida, congregou o povo e notificou a todos os companheiros de ideal que o soberano era,
talvez, o homem mais torturado em todo o reino e que, ao invés da suspirada insubmissão,
competia-lhes, a cada um, maior entendimento e mais trabalho construtivo, no lugar que lhes
era próprio dentro do país, a fim de que o monarca, de si mesmo tão escravizado e tão desditoso,
pudesse cumprir sem desastres a elevada missão de que fora investido.
E, assim, a rebeldia foi convertida em compreensão e serviço.

Judas, desapontado, parecia ensaiar alguma ponderação irreverente, mas o Mestre Divino
antecipou-se a ele, falando, incisivo:
— A revolução é sempre o engano trágico daqueles que desejam arrebatar a outrem o
cetro do governo. Quando cada servidor entende o dever que lhe cabe no plano da vida, não
há disposição para a indisciplina, nem tempo para a insubmissão."

("Jesus no Lar", Neio Lúcio/Francisco Cândido Xavier)

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