terça-feira, 30 de novembro de 2010

"DIFERENTES CATEGORIAS DE MUNDOS HABITADOS"

"Cap.III"
"Há muitas moradas na casa de meu Pai"

"Diferentes categorias de mundos habitados"


"3. Do ensino dado pelos Espíritos, resulta que muito diferentes umas das outras são as condições dos mundos, quanto ao grau de adiantamento ou de inferioridade dos seus habitantes. Entre eles há-os em que estes últimos são ainda inferiores aos da Terra, física e moralmente; outros, da mesma categoria que o nosso; e outros que lhe são mais ou menos superiores a todos os respeitos. Nos mundos inferiores, a existência é toda material, reinam soberanas as paixões, sendo quase nula a vida moral. A medida que esta se desenvolve, diminui a influência da matéria, de tal maneira que, nos mundos mais adiantados, a vida é, por assim dizer, toda espiritual.
4. Nos mundos intermédios, misturam-se o bem e o mal, predominando um ou outro, segundo o grau de adiantamento da maioria dos que os habitam. Embora se não possa fazer, dos diversos mundos, uma classificação absoluta, pode-se contudo, em virtude do estado em que se acham e da destinação que trazem, tomando por base os matizes mais salientes, dividi-los, de modo geral, como segue: mundos primitivos, destinados às primeiras encarnações da alma humana; mundos de expiação e provas, onde domina o mal; mundos de regeneração, nos quais as almas que ainda têm o que expiar haurem novas forças, repousando das fadigas da luta; mundos ditosos, onde o bem sobrepuja o mal; mundos celestes ou divinos, habitações de Espíritos depurados, onde exclusivamente reina o bem. A Terra pertence à categoria dos mundos de expiação e provas, razão por que aí vive o homem a braços com tantas misérias.
5. Os Espíritos que encarnam em um mundo não se acham a ele presos indefinidamente, nem nele atravessam todas as fases do progresso que lhes cumpre realizar, para atingir a perfeição. Quando, em um mundo, eles alcançam o grau de adiantamento que esse mundo comporta, passam para outro mais adiantado, e assim por diante, até que cheguem ao estado de puros Espíritos. São outras tantas estações, em cada uma das quais se lhes deparam elementos de progresso apropriados ao adiantamento que já conquistaram. É-lhes uma recompensa ascenderem a um mundo de ordem mais elevada, como é um castigo o prolongarem a sua permanência em um mundo desgraçado, ou serem relegados para outro ainda mais infeliz do que aquele a que se vêem impedidos de voltar quando se obstinaram no mal."

("O Evangelho Segundo o Espiritismo", Allan Kardec)

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

"A CARIDADE DESCONHECIDA"


"A conversação em casa de Pedro versava, nessa noite, sobre a prática do bem, com a viva
colaboração verbal de todos.
Como expressar a compaixão, sem dinheiro? Por que meios incentivar a beneficência,
sem recursos monetários?
Com essas interrogativas, grandes nomes da fortuna material eram invocados e a maioria
inclinava-se a admitir que somente os poderosos da Terra se encontravam à altura de estimular
a piedade ativa, quando o Mestre interferiu, opinando, bondoso:
— Um sincero devoto da Lei foi exortado por determinações do Céu ao exercício da beneficência;
entretanto, vivia em pobreza extrema e não podia, de modo algum, retirar a mínima
parcela de seu salário para o socorro aos semelhantes. Em verdade, dava de si mesmo, quanto
possível, em boas palavras e gestos pessoais de conforto e estímulo a quantos se achavam em
sofrimento e dificuldade; porém, magoava-lhe o coração a impossibilidade de distribuir agasalho
e pão com os andrajosos e famintos à margem de sua estrada.
Rodeado de filhinhos pequeninos, era escravo do lar que lhe absorvia o suor.
Reconheceu, todavia, que, se lhe era vedado o esforço na caridade pública, podia perfeitamente
guerrear o mal, em todas as circunstâncias de sua marcha pela Terra.
Assim é que passou a extinguir, com incessante atenção, todos os pensamentos inferiores
que lhe eram sugeridos; quando em contacto com pessoas interessadas na maledicência, retraía-
se, cortês, e, em respondendo a alguma interpelação direta, recordava essa ou aquela pequena
virtude da vítima ausente; se alguém, diante dele, dava pasto à cólera fácil, considerava a ira
como enfermidade digna de tratamento e recolhia-se à quietude; insultos alheios batiam-lhe no
espírito à maneira de calhaus em barril de mel, porquanto, além de não reagir, prosseguia tratando
o ofensor com a fraternidade habitual; a calúnia não encontrava acesso em sua alma, de
vez que toda denúncia torpe se perdia, inútil, em seu grande silêncio; reparando ameaças sobre
a tranqüilidade de alguém, tentava desfazer as nuvens da incompreensão, sem alarde, antes que
assumissem feição tempestuosa; se alguma sentença condenatória bailava em torno do próximo,
mobilizava, espontâneo, todas as possibilidades ao seu alcance na defesa delicada e imperceptível;
seu zelo contra a incursão e a extensão do mal era tão fortemente minucioso que chegava
a retirar detritos e pedras da via pública, para que não oferecessem perigo aos transeuntes.
Adotando essas diretrizes, chegou ao termo da jornada humana, incapaz de atender às
sugestões da beneficência que o mundo conhece. Jamais pudera estender uma tigela de sopa ou
ofertar uma pele de carneiro aos irmãos necessitados.
Nessa posição, a morte buscou-o ao tribunal divino, onde o servidor humilde compareceu
receoso e desalentado. Temia o julgamento das autoridades celestes, quando, de improviso,
foi aureolado por brilhante diadema, e, porque indagasse, em lágrimas, a razão do inesperado
prêmio, foi informado de que a sublime recompensa se referia à sua triunfante posição na
guerra contra o mal, em que se fizera valoroso empreiteiro.
Fixou o Mestre nos aprendizes o olhar percuciente e calmo e concluiu, em tom amigo:
— Distribuamos o pão e a cobertura, acendamos luz para a ignorância e intensifiquemos
a fraternidade aniquilando a discórdia, mas não nos esqueçamos do combate metódico e sereno
contra o mal, em esforço diário, convictos de que, nessa batalha santificante, conquistaremos a
divina coroa da caridade desconhecida."

("Jesus no Lar", Neio Lúcio/ Francisco Cândido Xavier)

domingo, 28 de novembro de 2010

"ANTIGOS E MODERNOS SISTEMAS DO MUNDO"



Cap.V
"Antigos e modernos sistemas do mundo"


"1. - A primeira idéia que os homens formaram da Terra, do movimento dos astros e da constituição do Universo, há de, a princípio, ter-se baseado unicamente no que os sentidos percebiam. Ignorando as mais elementares leis da Física e as forças da Natureza, não dispondo senão da vista como meio de observação, apenas pelas aparências podiam eles julgar.
Vendo o Sol aparecer pela manhã, de um lado do horizonte, e desaparecer, à tarde, do lado oposto, concluíram naturalmente que ele girava em torno da Terra, conservando-se esta imóvel. Se lhes dissessem então que o contrário é o que se dá, responderiam não ser possível tal coisa, objetando: vemos que o Sol muda de lugar e não sentimos que a Terra se mexa.
2. - A pequena extensão das viagens, que naquela época raramente iam além dos limites da tribo ou do vale, não permitia se comprovasse a esfericidade da Terra. Como, ao demais, haviam de supor que a Terra fosse uma bola? Os seres, em tal caso, somente no ponto mais elevado poderiam manter-se e, supondo-a habitada em toda a superfície, como viveriam eles no hemisfério oposto, com a cabeça para baixo e os pés para cima? Ainda menos possível houvera parecido isso com o movimento de rotação. Quando, mesmo aos nossos dias, em que se conhece a lei de gravitação, se vêem pessoas relativamente esclarecidas não perceberem esse fenômeno, como nos surpreendermos de que homens das primeiras idades não o tenham, sequer, suspeitado?
Para eles, pois, a Terra era uma superfície plana e circular, qual uma mó de moinho, estendendo-se a perder de vista na direção horizontal. Dai a expressão ainda em uso: Jr ao fim do mundo. Desconheciam-lhe os limites, a espessura, o interior, a face inferior, o que lhe ficava por baixo. (1)
    (1) "A mitologia hindu ensinava que, ao entardecer, o astro do dia se despojava de sua luz e atravessava o céu durante a noite com uma face obscura. A mitologia grega figurava puxado por quatro cavalos o carro de Apolo. Anaximandro, de Mileto, sustentava, ao que refere Plutarco, que o sol era um carro cheio de fogo muito vivo, que se escapava por uma abertura circular. Epicuro, segundo uns, teria emitido a opinião de que o Sol se acendia pela manha e se apagava à noite nas águas do oceano; segundo outros, ele considerava esse astro uma pedra-pomes aquecida até à incandescência. Anaxágoras o tomava por um ferro esbraseado, do tamanho do Peloponeso. Coisa singular! os antigos eram tão invencivelmente induzidos a considerar real a grandeza aparente desse astro, que perseguiram o filósofo temerário por haver atribuído aquele volume ao facho do dia, fazendo-se necessária toda a autoridade de Péricles para salvá-lo de uma condenação à morte e para que essa pena fosse comutada na de exílio." (Flammarion, Estudos e leituras sobre a Astronomia, pág. 6.) Diante de tais idéias, emitidas no quinto século antes do Cristo, ao tempo da maior prosperidade da Grécia, não devem causar espanto aquelas que os homens das primeiras idades faziam sobre o sistema do mundo.
3. - Por se mostrar sob forma côncava, o céu, na crença vulgar, era tido como uma abóbada real, cujos bordos inferiores repousavam na Terra e lhe marcavam os confins, vasta cúpula cuja capacidade o ar enchia completamente. Sem nenhuma noção do espaço infinito, incapazes mesmo de o conceberem, imaginavam os homens que essa abóbada era constituída de matéria sólida, donde a denominação de firmamento que lhe foi dada e que sobreviveu à crença, significando: firme, resistente (do latim firmamentum, derivado de firmus e do grego herma, hermatos, firme, sustentáculo, suporte, ponto de apoio).
4. - As estrelas, de cuja natureza não podiam suspeitar, eram simplesmente pontos luminosos, de volumes diversos, engastados na abóbada, como lâmpadas suspensas, dispostas sobre uma única superfície e, por conseguinte, todas à mesma distância da Terra, tal como as que se vêem no interior de certas cúpulas, pintadas de azul, figurando a do céu.
Se bem hoje sejam outras as idéias, o uso das expressões antigas se conservou. Ainda se diz, por comparação: a abóbada estrelada; sob a cúpula do céu.
5 - Igualmente desconhecida era então a formação das nuvens pela evaporação das águas da Terra. A ninguém podia acudir a idéia de que a chuva, que cai do céu, tivesse origem na Terra, donde ninguém a via subir. Daí a crença na existência de águas superiores e de águas inferiores, de fontes celestes e de fontes terrestres, de reservatórios colocados nas altas regiões, suposição que concordava perfeitamente com a idéia de uma abóbada sólida, capaz de os sustentar. As águas superiores, escapando-se pelas frestas da abóbada, caiam em chuva e, conforme fossem mais ou menos largas as frestas, a chuva era branda, torrencial e diluviana.
6. - A ignorância completa do conjunto do Universo e das leis que o regem, da natureza, da constituição e da destinação dos astros, que, aliás, pareciam tão pequenos, comparativamente à Terra, fez necessariamente fosse esta considerada como a coisa principal, o fim único da criação e os astros como acessórios, exclusivamente criados em intenção dos seus habitantes. Esse preconceito se perpetuou até aos nossos dias, apesar das descobertas da Ciência, que mudaram, para o homem, o aspecto do mundo. Quanta gente ainda acredita que as estrelas são ornamentos do céu, destinados a recrear a vista dos habitantes da Terra!
7. - Não tardou, porém, se apercebessem do movimento aparente das estrelas, que se deslocam em massa do oriente para o ocidente, despontando ao anoitecer e ocultando-se pela manhã, e conservando suas respectivas posições. Semelhante observação, contudo, não teve, durante longo tempo, outra conseqüência que não fosse a de confirmar a idéia de uma abóbada sólida, a arrastar consigo as estrelas, no seu movimento de rotação.
Essas idéias primárias, simplistas, constituíram, no curso de largos períodos seculares, o fundo das crenças religiosas e serviram de base a todas as cosmogonias antigas.
8. - Mais tarde, pela direção do movimento das estrelas e pelo periódico retorno delas, na mesma ordem, percebeu-se que a abóbada celeste não podia ser apenas uma semi-esfera posta sobre a Terra, mas uma esfera inteira, oca, em cujo centro se achava a Terra, sempre chata, ou, quando muito, convexa e habitada somente na superfície superior. Já era um progresso.
Mas, qual o suporte da Terra? Fora inútil mencionar todas as suposições ridículas, geradas pela imaginação, desde a dos indianos, que a diziam suportada por quatro elefantes brancos, pousados estes sobre as asas de um imenso abutre. Os mais sensatos confessavam que nada sabiam a respeito.
9. - Entretanto, uma opinião geralmente espalhada nas teogonias pagãs situava nos lugares baixos, ou, por outra, nas profundezas da Terra, ou debaixo desta, não sabia bem, a morada dos réprobos, chamada inferno, isto é, lugares inferiores, e nos lugares altos, além da região das estrelas, a morada dos bem-aventurados. A palavra inferno se conservou até aos nossos dias, se bem haja perdido a significação etimológica, desde que a Geologia retirou das entranhas da Terra o lugar dos suplícios eternos e a Astronomia demonstrou que no espaço infinito não há baixo nem alto.
10. - Sob o céu puro da Caldéia, da Índia e do Egito, berço das mais antigas civilizações, o movimento dos astros foi observado com tanta exatidão, quanto o permitia a falta de instrumentos especiais. Notou-se, primeiramente, que certas estrelas tinham movimento próprio, independente da mesma, o que não consentia a suposição de que se achassem presas à abóbada. Chamaram-lhes estrelas errantes ou planetas, para distingui-las das estrelas fixas. Calcularam-se-lhes os movimentos e os retornos periódicos.
No movimento diurno da esfera estrelada, foi notada a imobilidade da Estrela Polar, em cujo derredor as outras descreviam, em vinte e quatro horas, círculos oblíquos paralelos, uns maiores, outros menores, conforme a distância em que se encontravam da estrela central. Foi o primeiro passo para o conhecimento da obliqüidade do eixo do mundo. Viagens mais longas deram lugar a que se observasse a diferença dos aspectos do céu, segundo as latitudes e as estações. A verificação de que a elevação da Estrela Polar acima do horizonte variava com a latitude, abriu caminho para a percepção da redondeza da Terra. Foi assim que, pouco a pouco, chegaram a fazer uma idéia mais exata do sistema do mundo.
Pelo ano 600 antes de J.-C., Tales, de Mileto (Ásia Menor), descobriu a esfericidade da Terra, a obliqüidade da eclíptica e a causa dos eclipses.
Um século depois, Pitágoras, de Samos, descobre o movimento diurno da Terra, sobre o próprio eixo, seu movimento anual em torno do Sol e incorpora os planetas e os cometas ao sistema solar.
Hiparco, de Alexandria (Egito), 160 anos antes de J.-C., inventa o astrolábio, calcula e prediz os eclipses, observa as manchas do Sol, determina o ano trópico, a duração das revoluções da Lua.
Embora preciosíssimas para o progresso da Ciência, essas descobertas levaram perto de 2.000 anos a se popularizarem. Não dispondo então senão de raros manuscritos para se propagarem, as idéias novas permaneciam como patrimônio de alguns filósofos, que as ensinavam a discípulos privilegiados. As massas, que ninguém cuidava de esclarecer, nenhum proveito tiravam delas e continuavam a nutrir-se das velhas crenças.
11. - Cerca do ano 140 da era cristã, Ptolomeu, um dos homens mais ilustres da Escola de Alexandria, combinando suas próprias idéias com as crenças vulgares e com algumas das mais recentes descobertas astronômicas, compôs um sistema que se pode qualificar de misto, que traz o seu nome e que, por perto de quinze séculos, foi o único que o mundo civilizado adotou.
Segundo o sistema de Ptolomeu, a Terra é uma esfera posta no centro do Universo e composta de quatro elementos: terra, água, ar e fogo. Essa a primeira região, dita elementar. A segunda região, dita etérea, compreendia onze céus, ou esferas concêntricas, a girar em torno da Terra, a saber: o céu da Lua, os de Mercúrio, de Vênus, do Sol, de Marte, de Júpiter, de Saturno, das estrelas fixas, do primeiro cristalino, esfera sólida transparente; do segundo cristalino e, finalmente, do primeiro móvel, que dava movimento a todos os céus inferiores e os obrigava a fazer urna revolução em vinte e quatro horas. Para além dos onze céus estava o Empíreo, habitação dos bem-aventurados, denominação tirada do grego pyr ou pur, que significa fogo, porque se acreditava que essa região resplandecia de luz, como o fogo.
Longo tempo prevaleceu a crença em muitos céus superpostos, cujo número, entretanto, variava. O sétimo era geralmente tido como o mais elevado, donde a expressão: ser arrebatado ao sétimo céu. São Paulo disse que fora elevado ao terceiro céu.
Afora o movimento comum, os astros, segundo Ptolomeu, tinham movimentos próprios, mais ou menos dilatados, conforme a distância em que se achavam do centro. As estrelas fixas faziam uma revolução em 25.816 anos, avaliação esta que denota conhecimento da precessão dos equinócios, que se realiza em 25.868 anos.
12. - No começo do século dezesseis, Copérnico, astrônomo célebre, nascido em Thorn (Prússia), no ano de 1472 e morto no de 1543, reconsiderou as idéias de Pitágoras e concebeu um sistema que, confirmado todos os dias por novas observações, teve acolhimento favorável e não tardou a desbancar o de Ptolomeu. Segundo o sistema de Copérnico, o Sol está no centro e ao seu derredor os astros descrevem órbitas circulares, sendo a Lua um satélite da Terra.
Decorrido um século, em 1609, Galileu, natural de Florença, inventa o telescópio; em 1610, descobre os quatro (1) satélites de Júpiter e lhe calcula as revoluções; reconhece que os planetas não têm luz própria como as estrelas, mas que são iluminados pelo Sol; que são esferas semelhantes à Terra; observa-lhes as fases e determina o tempo que duram as rotações deles em torno de seus eixos, oferecendo assim, por provas materiais, sanção definitiva ao sistema de Copérnico.
Ruiu então a construção dos céus superpostos; reconheceu-se que os planetas são mundos semelhantes à Terra e, sem dúvida, habitados, como esta; que as estrelas são inumeráveis sóis, prováveis centros de outros tantos sistemas planetários, sendo o próprio Sol reconhecido como uma estrela, centro de um turbilhão de planetas que se lhe acham sujeitos.
As estrelas deixaram de estar confinadas numa zona da esfera celeste, para estarem irregularmente disseminadas pelo espaço sem limites, encontrando-se a distâncias incomensuráveis umas das outras as que parecem tocar-se, sendo as aparentemente menores as mais afastadas de nós e as maiores as que nos estão mais perto, porém, ainda assim, a centenas de bilhões de léguas.
Os grupos que tomaram o nome de constelações mais não são do que agregados aparentes, causados pela distância; suas figuras não passam de efeitos de perspectiva, como as que as luzes espalhadas por uma vasta planície, ou as árvores de uma floresta formam, aos olhos de quem as observa colocado num ponto fixo. Na realidade, porém, tais agrupamentos não existem. Se nos pudéssemos transportar para a reunião de uma dessas constelações, à medida que nos aproximássemos dela, a sua forma se desmancharia e novos grupos se rios desenhariam à vista.
(1) Nota da Editora, à 16ª edição, de 1973: Depois de Galileu, os astrônomos descobriram mais oito; são conhecidos atualmente, portanto, 12 satélites de Júpiter (4 deles com movimento retrógrado).
Ora, não existindo esses agrupamentos senão na aparência, é ilusória a significação que uma supersticiosa crença vulgar lhe atribui e somente na imaginação pode existir.
Para se distinguirem as constelações, deram-se-lhes nomes como estes: Leão, Touro, Gêmeos, Virgem, Balança, Capricórnio, Câncer, Órion, Hércules, Grande Ursa ou Carro de David, Pequena Ursa, Lira, etc., e, para representá-las, atribuíram-se-lhes as formas que esses nomes lembram, fantasiosas em sua maioria e, em nenhum caso, guardando qualquer relação com os grupos de estrelas assim chamados. Fora, pois, inútil procurar no céu tais formas.
A crença na influência das constelações, sobretudo das que constituem os doze signos do zodíaco, proveio da idéia ligada aos nomes que elas trazem. Se à que se chama leão fosse dada o nome de asno ou de ovelha, certamente lhe teriam atribuído outra influência.
13. - A partir de Copérnico e Galileu, as velhas cosmogonias deixaram para sempre de subsistir. A Astronomia só podia avançar, não recuar. A História diz das lutas que esses homens de gênio tiveram de sustentar contra os preconceitos e, sobretudo, contra o espírito de seita, interessado em manter erros sobre os quais se haviam fundado crenças, supostamente firmadas em bases inabaláveis. Bastou a invenção de um instrumento de óptica para derrocar uma construção de muitos milhares de anos. Nada, é claro, poderia prevalecer contra uma verdade reconhecida como tal. Graças à Tipografia, o público, iniciado nas novas idéias, entrou a não se deixar embalar com ilusões e tomou parte na luta. Já não era contra indivíduos que os sustentadores das velhas idéias tinham de combater, mas contra a opinião geral, que esposava a causa da verdade.
Quão grande é o Universo em face das mesquinhas proporções que nossos pais lhe assinavam! Quanto é sublime a obra de Deus, desde que a vemos realizar-se conformemente às eternas leis da Natureza! Mas, também, quanto tempo, que de esforços do gênio, que de devotamentos se fizeram necessários para descerrar os olhos às criaturas e arrancar-lhes, afinal, a venda da ignorância!
14. - Estava desde então aberto o caminho em que ilustres e numerosos sábios iam entrar, a fim de completarem a obra encetada. Na Alemanha, Kepler descobre as célebres leis que lhe conservam o nome e por meio das quais se reconhece que as órbitas que os planetas descrevem não são circulares, mas elipses, um de cujos focos o Sol ocupa. Newton, na Inglaterra, descobre a lei da gravitação universal. Laplace, na França, cria a mecânica celeste. Finalmente, a Astronomia deixa de ser um sistema fundado em conjeturas ou probabilidades e torna-se uma ciência assente nas mais rigorosas bases, as do cálculo e da geometria. Fica assim lançada uma das pedras fundamentais da Gênese, cerca de 3.300 anos depois de Moisés."

("A Gênese", Allan Kardec)

CONFIA SEMPRE

"Não percas a tua fé entre as sombras do mundo.
Ainda que os teus pés estejam sangrando, segue para a frente, erguendo-a por luz celeste, acima de ti mesmo.
Crê e trabalha.
Esforça-te no bem e espera com paciência.
Tudo passa e tudo se renova na terra, mas o que vem do céu permanecerá.
De todos os infelizes os mais desditosos são os que perderam a confiança em Deus e em si mesmo, porque o maior infortúnio é sofrer a privação da fé e prosseguir vivendo.
Eleva, pois, o teu olhar e caminha.
Luta e serve. Aprende e adianta-te.
Brilha a alvorada além da noite.
Hoje, é possível que a tempestade te amarfanhe o coração e te atormente o ideal, aguilhoando-te com a aflição ou ameaçando-te com a morte...
Não te esqueças, porém, de que amanhã será outro dia."

(Meimei)

sábado, 27 de novembro de 2010

CONDIÇÕES

"Se trabalhas, podes servir.
Se serves, adquires o necessário.
Se dispões do necessário,
atinges a paz.
Se possuis a paz, segues
com Deus."

(Emmanuel)

AFIRMAÇÃO

"O Céu auxilia sempre
a quem trabalha
mas espera de quem trabalha
o auxílio possível
para todos aqueles
que ainda não descobriram
a felicidade de trabalhar."

(Emmanuel)

LEMBRANÇAS


"O mundo em que vivemos é propriedade de Deus.
Devemos agradecer as bênçãos de Nosso Pai Celestial, todos os dias.
O coração agradecido ao Senhor espalha a bondade e a alegria em seu nome.
Jesus rendia graças a Deus, auxiliando o próximo.
A Natureza diariamente glorifica a Divina Bondade, na luz do Sol, na suavidade do vento, no canto das aves e no perfume das flores.
Quem ajuda às plantas e aos animais revela respeito e carinho na Criação de Nosso Pai Celestial.
Devo ser bom para com todos, porque Deus tem sido infinitamente bom para comigo, em todas as ocasiões.
Quem trabalha com alegria mostra reconhecimento ao Céu.
Cooperando de boa-vontade com os outros, estaremos servindo a Deus."

(Meimei)

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

"A RECEITA DA FELICIDADE"




"Tadeu, que era dos comentaristas mais inflamados, no culto da Boa Nova, em casa de
Pedro, entusiasmara-se na reunião, relacionando os imperativos da felicidade humana e clamando
contra os dominadores de Roma e contra os rabinos do Sinédrio.
Tocado de indisfarçável revolta, dissertou largamente sobre a discórdia e o sofrimento
reinantes no povo, situando-lhes a causa nas deficiências políticas da época, e, depois que expendeu
várias considerações preciosas, em torno do assunto, Jesus perguntou-lhe:
— Tadeu, como interpreta você a felicidade?
— Senhor, a felicidade é a paz de todos.
O Cristo estampou significativa expressão fisionômica e ponderou:
— Sim, Tadeu, isto não desconheço; entretanto, estimaria saber como se sentiria você
realmente feliz.
O discípulo, com algum acanhamento, enunciou:
— Mestre, suponho que atingiria a suprema tranqüilidade se pudesse alcançar a compreensão
dos outros.
Desejo, para esse fim, que o próximo me não despreze as intenções nobres e puras.
Sei que erro, muitas vezes, porque sou humano; entretanto, ficaria contente se aqueles
que convivem comigo me reconhecessem o sincero propósito de acertar.
Respiraria abençoado júbilo se pudesse confiar em meus semelhantes, deles recebendo a
justa consideração de que me sinta credor, em face da elevação de meu ideal.
Suspiro pelo respeito de todos, para que eu possa trabalhar sem impedimentos.
Regozijar-me-ia se a maledicência me esquecesse.
Vivo na expectativa da cordialidade alheia e julgo que o mundo seria um paraíso se as
pessoas da estrada comum se tratassem de acordo com o meu anseio honesto de ser acatado
pelos demais.
A indiferença e a calúnia doem-me no coração.
Creio que o sarcasmo e a suspeita foram organizados pelos Espíritos das trevas, para
tormento das criaturas.
A impiedade é um fel quando dirigida contra mim, a maldade é um fantasma de dor
quando se põe ao meu encontro.
Em razão de tudo isso, sentir-me-ia venturoso se os meus parentes, afeiçoados e conterrâneos
me buscassem, não pelo que aparento ser nas imperfeições do corpo, mas pelo conteúdo
de boa-vontade que presumo conservar em minh’alma.
Acima de tudo, Senhor, estaria sumamente satisfeito se quantos peregrinam comigo me
concedessem direito de experimentar livremente o meu gênero de felicidade pessoal, desde que
me sinta aprovado pelo código do bem, no campo de minha consciência, sem ironias e críticas
descabidas.
Resumindo, Mestre, eu queria ser compreendido, respeitado e estimado por todos, embora
não seja, ainda, o modelo de perfeição que o Céu espera de mim, com o abençoado concurso
da dor e do tempo.
Calou-se o apóstolo e esboçou-se, na sala singela, incontido movimento de curiosidade
ante a opinião que o Cristo adotaria.
Alguns dos companheiros esperavam que o Amigo Celeste usasse o verbo em comprida
dissertação, mas o Mestre fixou os olhos muito límpidos no discípulo e falou com franqueza e
doçura:

— Tadeu, se você procura, então, a alegria e a felicidade do mundo inteiro, proceda para
com os outros, como deseja que os outros procedam para com você. E caminhando cada homem
nessa mesma norma, muito breve estenderemos na Terra as glórias do Paraíso."

("Jesus no Lar", Neio Lúcio/Francisco Cândido Xavier)

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

"A DOUTRINA E AS OBRAS DE DEUS"

"Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita"

"17- A Doutrina e as Obras de Deus"



"A descrença com que se têm referido à Doutrina Espírita, quando não é o resultado de uma oposição sistemática interesseira, tem quase sempre origem no conhecimento incompleto dos fatos, o que não impede algumas pessoas de abordar e decidir a questão como se a conhecessem perfeitamente. Pode-se ser muito inteligente, ter muita instrução e não se ter bom senso; portanto, o primeiro indício de falta de discernimento quando se julga é acreditar ser infalível. Muitas pessoas também vêem as manifestações espíritas somente como curiosidade; esperamos que pela leitura deste livro elas encontrem nesses extraordinários fenômenos outra coisa além de um simples passatempo.
A ciência espírita compreende duas partes: uma experimental, sobre as manifestações em geral, e outra filosófica, sobre as manifestações inteligentes. Todo aquele que somente observou a primeira está na posição de quem conhece a física apenas por experiências recreativas, sem ter penetrado a fundo na ciência. A verdadeira Doutrina Espírita está no ensinamento dado pelos Espíritos, e os conhecimentos que esse ensinamento comporta são muito sérios para serem adquiridos de qualquer outro modo que não seja por um estudo atencioso e contínuo, feito no silêncio e no recolhimento, porque somente nessa condição pode-se observar um número infinito de fatos e de detalhes que escapam ao observador superficial e permitem firmar uma opinião. Se este livro não tivesse outra finalidade que não fosse mostrar o lado sério da questão e de provocar estudos nesse sentido, para nós já seria bastante honroso e ficaríamos felizes por ter realizado uma obra a que não pretendemos, de resto, nos atribuir mérito pessoal, uma vez que seus princípios não são de nossa criação e o seu mérito é inteiramente dos Espíritos que a ditaram. Esperamos que ela tenha um outro resultado: o de guiar os homens desejosos de se esclarecer, mostrando-lhes nestes estudos um objetivo grande e sublime: o do progresso individual e social, e de lhes indicar o caminho a seguir para atingi-lo.
Concluímos com uma última consideração. Os astrônomos, ao sondar os espaços, encontraram na distribuição dos corpos celestes lacunas não justificadas e em desacordo com as leis do conjunto. Eles supuseram que essas lacunas deveriam estar ocupadas por globos que escapavam à sua observação, mas, ao mesmo tempo, observaram alguns efeitos cuja causa desconheciam e concluíram: “Aí deve haver um mundo, porque essa lacuna não pode existir e esses efeitos devem ter uma causa”. Analisando, então, a causa pelo efeito, puderam calcular os elementos, e mais tarde os fatos vieram justificar suas previsões. Apliquemos esse mesmo raciocínio a uma outra ordem de idéias. Se observarmos todas as criaturas, verificaremos que formam uma cadeia, sem interrupção, desde a matéria bruta até o homem mais inteligente. Mas entre o homem e Deus, o alfa e o ômega27 de todas as coisas, que imensa lacuna! É racional pensar que terminem no homem os elos dessa cadeia? Ou que ele possa transpor de uma vez a distância que o separa do infinito? A razão nos diz que entre o homem e Deus deve haver outros escalões, como disse aos astrônomos que entre os mundos conhecidos devia haver outros mundos desconhecidos. Qual é a filosofia que preencheu essa lacuna? O Espiritismo a mostra ocupada por seres de todas as categorias do mundo invisível, e esses seres não são outros senão os Espíritos dos homens que atingiram os diferentes graus que conduzem à perfeição; então, tudo se liga, tudo se encaixa, desde o alfa até o omega. Vós que negais a existência dos Espíritos, preenchei, portanto, o vazio que eles ocupam; e vós que rides deles, ousai rir das obras de Deus e de seu grande poder!"

("O Livro dos Espíritos", Allan Kardec)

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

"A BÊNÇÃO DO ESTÍMULO"

"Comentavam os aprendizes que a verdade constitui dever primordial, acima de todas as
obrigações comuns, quando Filipe afiançou que, a pretexto de cultuar-se a realidade, ninguém
deveria aniquilar a consolação. E talvez por reportar-se André à franqueza com que o Mestre
atendia aos mais variados problemas da vida, o Senhor tomou a palavra e contou, atencioso:
— Devotado chefe de família que lutava com bravura por amealhar recursos com que
pudesse sustentar o barco doméstico, depois de desfrutar vasto período de fartura, viu-se pobre
e abandonado pelos melhores amigos, de uma semana para outra, em virtude de enorme
desastre comercial. O infeliz não soube suportar o golpe que o mundo lhe vibrava no espírito e
morreu, após alguns dias, ralado por inomináveis dissabores.
Entregue a si mesma, ao pé de seis filhos jovens, a valorosa viúva enxugou o pranto e
reuniu os rebentos, ao redor de velha mesa que lhes restava, e verificou que os moços amargurados
pareciam absolutamente vencidos pela tristeza e pelo desânimo.
Cercada de tantas lamentações e lágrimas, a senhora meditou, meditou... e, em seguida,
dirigiu-se ao interior, de onde voltou sobraçando pequena caixa de madeira, cuidadosamente
cerrada, e falou aos rapazes com segurança:
— “Meus filhos, não nos achamos em tamanha miserabilidade. Neste cofre possuímos
valioso tesouro que a previdência paternal lhes deixou. É fortuna capaz de fazer a nossa felicidade
geral; entretanto, os maiores depósitos do mundo desaparecem quando não se alimentam
nas fontes do trabalho honesto e produtivo. Em verdade, o nosso ausente, quando desceu ao
repouso, nos empenhou em dívidas pesadas; todavia, não será justo o esforço pelas resgatar
com a preservação de nosso precioso legado? Aproveitemos o tempo, melhorando a própria
sorte e, se concordam comigo, abriremos a caixa, mais tarde, a menos que as exigências do
pão se façam insuperáveis.”
Belo sorriso de alegria e reconforto apareceu no semblante de todos.
Ninguém discordou da sugestão materna.
No dia seguinte, os seis jovens atacaram corajosamente o serviço da terra. Valendo-se de
grande gleba alugada, plantaram o trigo, com imenso desvelo, em valoroso trabalho de colaboração
e, com tanto devotamento se portaram que, findos seis anos, os débitos da família se
achavam liquidados, enorme propriedade rural fora adquirida e o nome do pai coroado, de
novo, pela honra justa e pela fortuna próspera.
Quando já haviam superado de muito os bens perdidos pelo pai, reuniram-se, certa noite,
com a genitora, a fim de conhecerem o legado intacto.
A velhinha trouxe o cofre, com inexcedível carinho, sorriu satisfeita e abriu-o sem grande
esforço. Com assombro dos filhos, porém, dentro do estojo encontraram somente velho pergaminho
com as belas palavras de Salomão:
— “O filho sábio alegra seu pai, mas o filho insensato é a tristeza de sua mãe. Os tesouros
da impiedade de nada aproveitam; contudo, a justiça livra-nos da morte no mal. O Senhor
não deixa com fome a alma do justo; entretanto, recusa a fazenda dos ímpios. Aquele que trabalha
com mão enganosa, empobrece; todavia, a mão dos diligentes enriquece para sempre”.
Entreolharam-se os rapazes com júbilo indizível e agradeceram a inolvidável lição que o
carinho materno lhes havia doado.
Silenciou o Mestre, sob a expressão de contentamento e curiosidade dos discípulos e,
finda a ligeira pausa, terminou, sentencioso:
— Quem classificaria de enganadora e mentirosa essa grande mulher? Seja o nosso falar
“sim, sim” e “não, não” nos lances graves da vida, mas nunca espezinhemos a bênção do estímulo nas lutas edificantes de cada dia. O grelo tenro é a promessa do fruto. A pretexto de acender
a luz da verdade, que ninguém destrua a candeia da esperança."

("Jesus no Lar", Neio Lúcio/Francisco Cândido Xavier)

terça-feira, 23 de novembro de 2010

"A VIDA FUTURA"

"Cap.II"
"Meu Reino não é deste mundo"

"A vida futura"


"2. Por essas palavras, Jesus claramente se refere à vida futura, que ele apresenta, em todas as circunstâncias, como a meta a que a Humanidade irá ter e como devendo constituir objeto das maiores preocupações do homem na Terra. Todas as suas máximas se reportam a esse grande principio. Com efeito, sem a vida futura, nenhuma razão de ser teria a maior parte dos seus preceitos morais, donde vem que os que não crêem na vida futura, imaginando que ele apenas falava na vida presente, não os compreendem, ou os consideram pueris.
Esse dogma pode, portanto, ser tido como o eixo do ensino do Cristo, pelo que foi colocado num dos primeiros lugares à frente desta obra. E que ele tem de ser o ponto de mira de todos os homens; só ele justifica as anomalias da vida terrena e se mostra de acordo com a justiça de Deus.
3. Apenas idéias muito imprecisas tinham os judeus acerca da vida futura. Acreditavam nos anjos, considerando-os seres privilegiados da Criação; não sabiam, porém, que os homens podem um dia tomar-se anjos e partilhar da felicidade destes. Segundo eles, a observância das leis de Deus era recompensada com os bens terrenos, com a supremacia da nação a que pertenciam, com vitórias sobre os seus inimigos. As calamidades públicas e as derrotas eram o castigo da desobediência àquelas leis. Moisés não pudera dizer mais do que isso a um povo pastor e ignorante, que precisava ser tocado, antes de tudo, pelas coisas deste mundo. Mais tarde, Jesus lhe revelou que há outro mundo, onde a justiça de Deus segue o seu curso. E esse o mundo que ele promete aos que cumprem os mandamentos de Deus e onde os bons acharão sua recompensa. Aí o seu reino; lá é que ele se encontra na sua glória e para onde voltaria quando deixasse a Terra.
Jesus, porém, conformando seu ensino com o estado dos homens de sua época, não julgou conveniente dar-lhes luz completa, percebendo que eles ficariam deslumbrados, visto que não a compreenderiam. Limitou-se a, de certo modo, apresentar a vida futura apenas como um principio, como uma lei da Natureza a cuja ação ninguém pode fugir. Todo cristão, pois, necessariamente crê na vida futura; mas, a idéia que muitos fazem dela é ainda vaga, incompleta e, por isso mesmo, falsa em diversos pontos. Para grande número de pessoas, não há, a tal respeito, mais do que uma crença, balda de certeza absoluta, donde as dúvidas e mesmo a incredulidade.
O Espiritismo veio completar, nesse ponto, como em vários outros, o ensino do Cristo, fazendo-o quando os homens já se mostram maduros bastante para apreender a verdade. Com o Espiritismo, a vida futura deixa de ser simples artigo de fé, mera hipótese; torna-se uma realidade material, que os latos demonstram, porquanto são testemunhas oculares os que a descrevem nas suas fases todas e em todas as suas peripécias, e de tal sorte que, além de impossibilitarem qualquer dúvida a esse propósito, facultam à mais vulgar inteligência a possibilidade de imaginá-la sob seu verdadeiro aspecto, como toda gente imagina um país cuja pormenorizada descrição leia. Ora, a descrição da vida futura é tão circunstanciadamente feita, são tão racionais as condições, ditosas ou infortunadas, da existência dos que lá se encontram, quais eles próprios pintam, que cada um, aqui, a seu mau grado, reconhece e declara a si mesmo que não pode ser de outra forma, porquanto, assim sendo, patente fica a verdadeira justiça de Deus."

("O Evangelho Segundo o Espiritismo", Allan Kardec)

"TEORIAS ENGANADORAS"

"Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita"

"16-Teorias Enganadoras"


"Resta-nos examinar duas objeções; as únicas que merecem verdadeiramente esse nome, porque são baseadas em teorias racionais. Ambas admitem a realidade de todos os fenômenos materiais e morais, mas excluem a intervenção dos Espíritos.
A primeira dessas teorias diz que todas as manifestações atribuídas aos Espíritos não seriam outra coisa senão efeitos magnéticos. Os médiuns entrariam num estado que se poderia chamar de sonambulismo acordado, fenômeno do qual toda pessoa que estudou o magnetismo pôde verificar e testemunhar. Nesse estado, as capacidades intelectuais adquirem um desenvolvimento anormal; o círculo das percepções intuitivas se estende além dos limites de nossa concepção normal. Dessa maneira, o médium tiraria de si mesmo e por efeito de sua lucidez tudo o que diz e todas as noções que transmite, mesmo sobre assuntos que lhe são completamente desconhecidos quando se acha no seu estado normal.
Não seremos nós que contestaremos a força do sonambulismo, do qual vimos os extraordinários fenômenos e os estudamos em todas as fases durante mais de 35 anos. Concordamos, de fato, que muitas manifestações espíritas podem se explicar por ele, mas uma observação paciente e atenta mostra uma multidão de fatos em que a intervenção do médium, a não ser como instrumento passivo, é materialmente impossível. Àqueles que partilham dessa opinião diremos como aos outros: vede e observai, pois seguramente não vistes tudo. Em seguida propomos duas considerações tiradas de sua própria doutrina. De onde veio a teoria espírita? É um sistema imaginado por alguns homens para explicar os fatos? De modo algum. Quem a revelou? Precisamente esses mesmos médiuns dos quais exaltais a lucidez. Se, portanto, essa lucidez é exatamente como a supondes, por que teriam eles atribuído aos Espíritos o que possuíam em si mesmos? Como dariam esses ensinamentos tão precisos, lógicos e sublimes sobre a natureza dessas inteligências extrahumanas? De duas coisas, uma: ou são lúcidos ou não o são; se o são e se se pode confiar em sua veracidade, não haveria como, sem contradição, admitir que não estão com a verdade. Em segundo lugar, se todos os fenômenos tivessem origem no médium, seriam idênticos no mesmo indivíduo e não se veria a mesma pessoa manifestar-se em linguagens diferentes e exprimir alternativamente as mais polêmicas idéias. Essa falta de unidade nas manifestações obtidas por um mesmo médium prova a diversidade das fontes; se, portanto, não se pode encontrá-las todas no médium, é preciso procurá-las fora dele.
Uma outra opinião diz que o médium é a fonte das manifestações, mas, em vez de as tirar de si mesmo, assim como o pretendem os partidários da teoria sonambúlica, as tira do meio ambiente. Assim sendo, o médium seria uma espécie de espelho refletindo todas as idéias, pensamentos e conhecimentos das pessoas que o rodeiam; não diria nada que já não fosse conhecido pelo menos por alguns. Não se poderia negar, e isso é mesmo um princípio da Doutrina, a influência exercida pelos assistentes sobre a natureza das manifestações. Porém, essa influência é diferente da que os opositores supõem existir, e daí a ser o médium o eco dos pensamentos daqueles que o rodeiam há uma grande distância, visto que milhares de fatos demonstram indiscutivelmente o contrário. Portanto, há nisso um erro grave que atesta, uma vez mais, o perigo das conclusões prematuras. Essas pessoas, não podendo negar a existência de um fenômeno que a ciência comum não pode explicar e não querendo admitir a presença dos Espíritos, o explicam a seu modo. Esta teoria, embora enganosa, seria atraente se pudesse abraçar todos os fatos, mas não é assim. Quando se lhes demonstra com a clareza mais lógica que algumas comunicações do médium são completamente estranhas ao pensamento, aos conhecimentos, às próprias opiniões de todos os assistentes, que essas comunicações são, muitas vezes, espontâneas e contradizem todas as idéias preconcebidas, eles não recuam e nem se dão por convencidos. A irradiação, dizem, estende-se muito além do círculo imediato que nos rodeia; o médium é o reflexo de toda a humanidade, de forma que, se não tira suas inspirações das coisas que estão ao seu redor, vai procurá-las fora, na cidade, no país, em todo o globo e mesmo em outras esferas.
Não creio que se encontre nessa teoria uma explicação mais simples e mais provável que a do Espiritismo, embora revele uma causa bem mais maravilhosa. Porém, a idéia de que seres inteligentes povoam os espaços e que, estando em contato permanente conosco, nos comunicam seus pensamentos, nada tem que choque mais a razão do que se supor que essa irradiação universal vinda de todos os pontos do universo possa concentrar-se no cérebro de um indivíduo.
Ainda uma vez, e esse é um ponto importante sobre o qual nunca é demais insistir: tanto a teoria sonambúlica quanto a que se poderia chamar refletiva foram imaginadas por alguns homens; são opiniões individuais criadas para explicar um fato, enquanto a Doutrina dos Espíritos não é de concepção humana. Foi ditada pelas próprias inteligências que se manifestaram quando ninguém sequer a concebia e que a própria opinião geral a repelia. Portanto, perguntamos: de onde os médiuns foram tirar uma doutrina que não existia no pensamento de ninguém na Terra? E perguntamos mais: por que estranha coincidência milhares de médiuns espalhados por todos os pontos do globo, que nunca se viram, combinaram dizer a mesma coisa? Se o primeiro médium que apareceu na França revelou a influência das mesmas opiniões já aceitas nos Estados Unidos, por que razão teria ido procurar essas idéias a 2000 léguas além dos mares, entre um povo de costumes e linguagem estranhos, em vez de procurá-las ao seu redor? Mas há uma outra particularidade sobre a qual não se tem pensado o suficiente. É que as primeiras manifestações, tanto na França quanto nos Estados Unidos, não ocorreram pela escrita, nem pela fala, mas por pancadas que concordavam com as letras do alfabeto formando palavras e frases. Foi por esse meio que as inteligências que se revelavam declararam ser Espíritos. Se pudermos, portanto, supor que haja a intervenção do pensamento dos médiuns nas comunicações verbais ou escritas, o mesmo não pode ter ocorrido com as pancadas, cuja significação não poderia ser conhecida com antecedência.
Poderíamos citar muitos outros fatos que demonstram, na inteligência que se manifesta, uma individualidade evidente e uma independência absoluta de vontade. Remetemos, entretanto, os discordantes a uma observação mais atenta, e se querem estudar sem prevenção e não concluir antes de terem visto tudo, reconhecerão a fragilidade de sua teoria para explicar os fatos. Nós nos limitaremos a colocar as questões seguintes: por que a inteligência que se manifesta, seja ela qual for, recusa-se a responder a algumas questões sobre assuntos perfeitamente conhecidos, como, por exemplo, sobre o nome ou a idade do interrogador, sobre o que tem na mão, o que fez na véspera e o que fará no dia seguinte, etc.? Se o médium é de fato o espelho do pensamento dos assistentes, nada haveria de ser mais fácil do que dar essas respostas.
Os adversários retrucam o argumento ao perguntar, por sua vez, por que os Espíritos, que devem saber tudo, não podem responder a coisas tão simples, de acordo com o axioma26 Quem pode o mais pode o menos, concluindo, daí, que não são respostas dos Espíritos. Se um ignorante ou um zombador se apresentasse diante de uma assembléia de sábios e perguntasse, por exemplo, por que faz dia em pleno meio-dia, acredita-se que alguém se desse ao trabalho de responder seriamente? Seria razoável por isso concluir, pelo silêncio ou desdém que se desse ao interrogador, que os componentes dessa assembléia são tolos? Portanto, é precisamente porque os Espíritos são superiores que não respondem às questões inúteis e ridículas e não querem se pôr em evidência, é por isso que se calam ou dizem se ocupar com coisas mais sérias.
Perguntaremos, por fim, por que os Espíritos vêm e vão freqüentemente num dado momento, e por que, passado esse momento, não há preces nem súplicas que os possam trazer de volta? Se o médium somente agisse como um reflexo do impulso mental dos assistentes, é evidente que, nessa circunstância, o concurso de todas as vontades reunidas deveria estimular sua clarividência. Se não cede ao desejo da assembléia, fortalecido também por sua própria vontade, é porque obedece a uma influência estranha a ele mesmo e aos que estão à sua volta, e que essa influência demonstra, por esse fato, sua independência e sua individualidade."

("O Livro dos Espíritos", Allan Kardec)

"A EXALTAÇÃO DA CORTESIA"


"À frente da multidão de sofredores e desalentados, relacionou o Mestre as bemaventuranças,
destacando, com ênfase, a declaração de que os mansos herdariam a Terra.
A afirmativa, porém, soou entre os discípulos de maneira menos agradável.
Tal asserção não seria encorajamento à ociosidade mental?
Se o Evangelho reclamava espíritos valorosos na sementeira das verdades renovadoras,
como acomodar a promessa com a necessidade do destemor? Se o mal era atrevido e contundente,
em todos os climas e posições, como estabelecer o triunfo inadiável do bem através da
incapacidade de reagir, embora pacificamente?
Nessas interrogações imprecisas, reuniu-se a assembléia familiar no domicílio de Pedro.
Iniciados os comentários edificantes da noite, entreolhavam-se os discípulos entre a indagação
e a curiosidade.
O Divino Amigo parecia perceber os motivos da expectação, em torno, mas esperava,
sereno, que os seguidores se pronunciassem.
Foi então que Judas, rompendo o véu de respeito que aureolava a presença do Mestre,
inquiriu, loquaz:
— Senhor, por que atribuíste aos mansos a posse final da Terra? Os corações acovardados
gozarão de semelhante bênção? Os incapazes de testemunhar a fé, nos momentos graves
de luta e sacrifício, serão igualmente bem-aventurados?
Jesus não respondeu, de imediato.
Vagueou o olhar, através dos circunstantes, como a pedir-lhes a exposição de quaisquer
dúvidas que lhes povoassem a alma.
Pedro cobrou ânimo e perguntou:
— Sim, Mestre: se um malfeitor visitar-me a casa, não devo recordar-lhe os imperativos
do acatamento recíproco? Entregar-me-ei sem qualquer admoestação fraternal aos seus delituosos
caprichos, a pretexto de guardar a mansidão a que te referiste?
O Cristo sorriu, como tantas vezes, e enunciou, calmo:
— Enganaram-se todos, naturalmente. Eu não fiz o elogio da preguiça, que se mascara
de humildade, nem da covardia que se veste de cordura para melhor acomodar-se às conveniências
humanas. As criaturas que se afeiçoam a semelhantes artifícios sofrerão duramente os
instrumentos espirituais de que o mundo se utiliza para reajustar os caracteres tortuosos e indecisos.
Exaltei, na realidade, a cortesia de que somos credores uns dos outros. Bemaventurados
os homens de trato ameno que sabem usar a energia construtiva entre o gesto de
bondade e o verbo da compreensão! Bem-aventurados os filhos do equilíbrio e da gentileza
que aprendem a negar o mal, sem ferir o irmão ignorante que os solicita sem saber o que pede!
Abençoados os que repetem mil vezes a mesma lição, sem alarde, para que o próximo lhes
aproveite a influenciação na felicidade justa de todos! Bem-aventurados aqueles que sabem
tratar o rico e o pobre, o sábio e o inculto, o bom e o mau, com espírito de serviço e entendimento,
dando a cada um, de conformidade com os seus méritos e necessidades e deixando os
sinais de melhoria, de elevação, bem-estar e contentamento por onde cruzam! Em verdade vos
digo que a eles pertencerá o domínio espiritual da Terra, porque todo aquele que acolhe os
semelhantes, dentro das normas do amor e do respeito, é senhor dos corações que se aperfeiçoam
no mundo!
Alívio e alegria transbordaram do ânimo geral e, de olhos fitos, agora, nas águas imensas
do grande lago, o Senhor pediu a Mateus encerrasse o fraterno entendimento da noite, pronunciando
uma prece."

("Jesus no Lar", Neio Lúcio/ Francisco Cândido Xavier)

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

"PAPEL DA CIÊNCIA NA GÊNESE"

Cap.IV
"Papel da Ciência na Gênese"


"1. - A história da origem de quase todos os povos antigos se confunde com a da religião deles, donde o terem sido religiosos os seus primeiros livros. E como todas as religiões se ligam ao princípio das coisas, que é também o da Humanidade, elas deram, sobre a formação e o arranjo do Universo, explicações em concordância com o estado dos conhecimentos da época e de seus fundadores. Daí resultou que os primeiros livros sagrados foram ao mesmo tempo os primeiros livros de ciência, como foram, durante largo período, o código único das leis civis.
2. - Nas eras primitivas, sendo necessariamente muito imperfeitos os meios de observação, muito eivadas de erros grosseiros haviam de ser as primeiras teorias sobre o sistema do mundo. Mas, ainda quando esses meios fossem tão completos quanto o são hoje, os homens não teriam sabido utilizá-los. Aliás, tais meios não podiam ser senão fruto do desenvolvimento da inteligência e do conseqüente conhecimento das leis da Natureza. À medida que o homem se foi adiantando no conhecimento dessas leis, também foi penetrando os mistérios da criação e retificando as idéias que formara acerca da origem das coisas.
3. - Impotente se mostrou ele para resolver o problema da criação, até ao momento em que a Ciência lhe forneceu para isso a chave. Teve de esperar que a Astronomia lhe abrisse as portas do espaço infinito e lhe permitisse mergulhar aí o olhar; que, pelo poder do cálculo, possível se lhe tornasse determinar com rigorosa exatidão o movimento, a posição, o volume, a natureza e o papel dos corpos celestes; que a Física lhe revelasse as leis da gravitação, do calor, da luz e da eletricidade; que a Química lhe mostrasse as transformações da matéria e a Mineralogia os materiais que formam a superfície do globo; que a Geologia lhe ensinasse a ler, nas camadas terrestres, a formação gradual desse mesmo globo. À Botânica, à Zoologia, à Paleontologia, à Antropologia coube iniciá-lo na filiação e sucessão dos seres organizados. Com a Arqueologia pode ele acompanhar os traços que a Humanidade deixou através das idades. Numa palavra, completando-se umas às outras, todas as ciências houveram de contribuir com o que era indispensável para o conhecimento da história do mundo. Em falta dessas contribuições, teve o homem como guia as suas primeiras hipóteses.
Por isso, antes que ele entrasse na posse daqueles elementos de apreciação, todos os comentadores da Gênese, cuja razão esbarrava em impossibilidades materiais, giravam dentro de um círculo, sem conseguirem dele sair. Só o lograram, quando a Ciência abriu caminho, fendendo o velho edifício das crenças. Tudo então mudou de aspecto. Uma vez achado o fio condutor, as dificuldades prontamente se aplanaram. Em vez de uma Gênese imaginária, surgiu uma Gênese positiva e, de certo modo, experimental. O campo do Universo se distendeu ao infinito. Acompanhou-se a formação gradual da Terra e dos astros, segundo leis eternas e imutáveis, que demonstram muito melhor a grandeza e a sabedoria de Deus, do que uma criação miraculosa, tirada repentinamente do nada, qual mutação à vista, por efeito de súbita idéia da Divindade, após uma eternidade de inação.
Pois que é impossível se conceba a Gênese sem os dados que a Ciência fornece, pode dizer-se com inteira verdade que: a Ciência é chamada a constituir a verdadeira Gênese, segundo a lei da Natureza.
4. - No ponto a que chegou em o século dezenove, venceu a Ciência todas as dificuldades do problema da Gênese?
Não, decerto; mas, não há contestar que destruiu, sem remissão, todos os erros capitais e lhe lançou os fundamentos essenciais sobre dados irrecusáveis. Os pontos ainda duvidosos não passam, a bem dizer, de questões de minúcias, cuja solução, qualquer que venha a ser no futuro, não poderá prejudicar o conjunto. Ao demais, mau grado aos recursos que ela há tido à sua disposição, faltou-lhe, até agora, um elemento importante, sem o qual jamais a obra poderia completar-se.
5. - De todas as Gêneses antigas, a que mais se aproxima dos modernos dados científicos, sem embargo dos erros que contém, postos hoje em evidência, é incontestavelmente a de Moisés. Alguns desses erros são mesmo mais aparentes do que reais e provêm, ou de falsa interpretação atribuída a certos termos, cuja primitiva significação se perdeu, ao passarem de língua em língua pela tradução, ou cuja acepção mudou com os costumes dos povos, ou, também, decorrem da forma alegórica peculiar ao estilo oriental e que foi tomada ao pé da letra, em vez de se lhe procurar o espírito.
6. - A Bíblia, evidentemente, encerra fatos que a razão, desenvolvida pela Ciência, não poderia hoje aceitar e outros que parecem estranhos e derivam de costumes que já não são os nossos. Mas, a par disso, haveria parcialidade em se não reconhecer que ela guarda grandes e belas coisas. A alegoria ocupa ali considerável espaço, ocultando sob o seu véu sublimes verdades, que se patenteiam, desde que se desça ao âmago do pensamento, pois que logo desaparece o absurdo.
Por que então não se lhe ergueu mais cedo o véu? De um lado, por falta de luzes que só a Ciência e uma sã filosofia podiam fornecer e, de outro lado, por efeito do principio da imutabilidade absoluta da fé, conseqüência de um respeito ultracego à letra, e, assim, pelo temor de comprometer a estrutura das crenças, erguida sobre o sentido literal. Partindo, tais crenças, de um ponto primitivo, houve o receio de que, se se rompesse o primeiro anel da cadeia, todas as malhas da rede acabassem separando-se. Fecharam-se então os olhos obstinadamente. Mas, fechar os olhos ao perigo não é evitá-lo. Quando uma construção se afasta do prumo, não manda a prudência que se substituam imediatamente as pedras ruins por pedras boas, em vez de se esperar, pelo respeito que infunda a vetustez do edifício, que o mal se torne irremediável e que se faça preciso reconstruí-lo de cima a baixo?
7. - Levando suas investigações às entranhas da Terra e às profundezas dos céus, demonstrou a Ciência, de maneira irrefragável, os erros da Gênese moisaica tomada ao pé da letra e a impossibilidade material de se terem as coisas passado como são ali textualmente referidas. Ora, assim procedendo, a Ciência, do mesmo passo, fundo golpe desferiu em crenças seculares. A fé ortodoxa se sobressaltou, porque julgou que lhe tiravam a pedra fundamental. Mas, com quem havia de estar a razão: com a Ciência, que caminhava prudente e progressivamente pelos terrenos sólidos dos algarismos e da observação, sem nada afirmar antes de ter em mãos as provas, ou com uma narrativa escrita quando faltavam absolutamente os meios de observação? No fim de contas, quem há de levar a melhor: aquele que diz 2 e 2 fazem 5 e se nega a verificar, ou aquele que diz que 2 e 2 fazem 4 e o prova?
8. - Mas, objetam, se a Bíblia é uma revelação divina, então Deus se enganou. Se não é uma revelação divina, carece de autoridade e a religião desmorona, a falta de base.
Uma de duas: ou a Ciência está em erro, ou tem razão. Se tem razão, não pode fazer seja verdadeira uma opinião que lhe é contrária. Não há revelação que se possa sobrepor à autoridade dos fatos.
Incontestavelmente, não é possível que Deus, sendo todo verdade, induza os homens em erro, nem ciente, nem inscientemente, pois, do contrário, não seria Deus. Logo, se os fatos contradizem as palavras que lhe são atribuídas, o que se deve logicamente concluir é que ele não as pronunciou, ou que tais palavras foram entendidas em sentido oposto ao que lhes é próprio.
Se, com semelhantes contradições, a religião sofre dano, a culpa não é da Ciência, que não pode fazer que o que é deixe de ser; mas, dos homens, por haverem, prematuramente, estabelecido dogmas absolutos, de cujo prevalecimento hão feito questão de vida ou de morte, sobre hipóteses suscetíveis de serem desmentidas pela experiência.
Há coisas com cujo sacrifício temos de resignar-nos, bom. ou mau grado, quando não consigamos evitá-lo. Desde que o mundo marcha, sem que a vontade de alguns possa detê-lo, o mais sensato é que o acompanhemos e nos acomodemos com o novo estado de coisas, em vez de nos agarrarmos ao passado que se esboroa, com o risco de sermos arrastados na queda.
9. - Por guardar respeito aos Textos Sagrados, dever-se-ia obrigar a Ciência a calar-se? Fora tão impossível isso, como impedir que a Terra gire. As religiões, sejam quais forem, jamais ganharam coisa alguma em sustentar erros manifestos. A Ciência tem por missão descobrir as leis da Natureza. Ora, sendo essas leis obra de Deus, não podem ser contrárias a religiões que se baseiem na verdade. Lançar anátema ao progresso, por atentatório à religião, é lançá-lo à própria obra de Deus. É ao demais, trabalho inútil, porquanto nem todos os anátemas do mundo seriam capazes de obstar a que a Ciência avance e a que a verdade abra caminho. Se a Religião se nega a avançar com a Ciência, esta avançará sozinha.
10. - Somente as religiões estacionárias podem temer as descobertas da Ciência, as quais funestas só o são às que se deixam distanciar pelas idéias progressistas, imobilizando-se no absolutismo de suas crenças. Elas, em geral, fazem tão mesquinha idéia da Divindade, que não compreendem que assimilar as leis da Natureza, que a Ciência revela, é glorificar a Deus em suas obras. Na sua cegueira, porém, preferem render homenagem ao Espírito do mal, atribuindo-lhe essas leis. Uma religião que não estivesse, por nenhum ponto, em contradição com as leis da Natureza, nada teria que temer do progresso e seria invulnerável.
11. - A Gênese se divide em duas partes: a história da formação do mundo material e da Humanidade considerada em seu duplo princípio, corporal e espiritual. A Ciência se tem limitado à pesquisa das leis que regem a matéria. No próprio homem, ela apenas há estudado o envoltório carnal. Por esse lado, chegou a inteirar-se, com exatidão, das partes principais do mecanismo do Universo e do organismo humano. Assim, sobre esse ponto capital, pode completar a Gênese de Moisés e retificar-lhe as partes defeituosas.
Mas a história do homem, considerado como ser espiritual, se prende a uma ordem especial de idéias, que não são do domínio da Ciência propriamente dita e das quais, por este motivo, não tem ela feito objeto de suas investigações. A Filosofia, a cujas atribuições pertence, de modo mais particular, esse gênero de estudos, apenas há formulado, sobre o ponto em questão, sistemas contraditórios, que vão desde a mais pura espiritualidade, até a negação do principio espiritual e mesmo de Deus, sem outras bases, afora as idéias pessoais de seus autores. Tem, pois, deixado sem decisão o assunto, por falta de verificação suficiente.
12. - Esta questão, no entanto, é a mais importante para o homem, por isso que envolve o problema do seu passado e do seu futuro. A do mundo material apenas indiretamente o afeta. O que lhe importa saber, antes de tudo, é donde ele veio e para onde vai, se já viveu e se ainda viverá, qual a sorte que lhe está reservada.
Sobre todos esses pontos, a Ciência se conserva muda. A Filosofia apenas emite opiniões que concluem em sentido diametralmente oposto, mas que, pelo menos, permitem se discuta, o que faz com que muitas pessoas se lhe coloquem do lado, de preferência a seguirem a religião, que não discute.
13. - Todas as religiões são acordes quanto ao princípio da existência da alma, sem, contudo, o demonstrarem. Não o são, porém, nem quanto a sua origem, nem com relação ao seu passado e ao seu futuro, nem, principalmente, e isso é o essencial, quanto às condições de que depende a sua sorte vindoura. Em sua maioria, elas apresentam, do futuro da alma, e o impõem à crença de seus adeptos, um quadro que somente a fé cega pode aceitar, visto que não suporta exame sério. Ligado aos seus dogmas, às idéias que nos tempos primitivos se faziam do mundo material e do mecanismo do Universo, o destino que elas atribuem à alma não se concilia com o estado atual dos conhecimentos. Não podendo, pois, senão perder com o exame e a discussão, as religiões acham mais simples proscrever uma e outro.
14. - Dessas divergências no tocante ao futuro do homem nasceram a dúvida e a incredulidade. Entretanto, a incredulidade dá lugar a um penoso vácuo. O homem encara com ansiedade o desconhecido em que tem fatalmente de penetrar. Gela-o a idéia do nada. Diz-lhe a consciência que alguma coisa lhe esta reservada para além do presente. Que será? Sua razão, com o desenvolvimento que alcançou, já lhe não permite admitir as histórias com que o acalentaram na infância, nem aceitar como realidade a alegoria. Qual o sentido dessa alegoria? A Ciência lhe rasgou um canto do véu; não lhe revelou, porém, o que mais lhe importa saber. Ele interroga em vão, nada lhe responde ela de maneira peremptória e apropriada a lhe acalmar as apreensões. Por toda parte depara com a afirmação a se chocar com a negação, sem que de um lado ou de outro se apresentem provas positivas. Daí a incerteza e a incerteza sobre o que concerne à vida futura faz que o homem se atire, tomado de uma espécie de frenesi, para as coisas da vida material.
Esse o inevitável efeito das épocas de transição: rui o edifício do passado, sem que ainda o do futuro se ache construído. O homem se assemelha ao adolescente que, já não tendo a crença ingênua dos seus primeiros anos, ainda não possui os conhecimentos próprios da maturidade. Apenas sente vagas aspirações, que não sabe definir.
15. - Se a questão do homem espiritual permaneceu, até aos dias atuais, em estado de teoria, é que faltavam os meios de observação direta, existentes para comprovar o estado do mundo material, conservando-se, portanto, aberto o campo às concepções do espírito humano. Enquanto o homem não conheceu as leis que regem a matéria e não pôde aplicar o método experimental, andou a errar de sistema em sistema, no tocante ao mecanismo do Universo e à formação da Terra. O que se deu na ordem física, deu-se também na ordem moral. Para fixar as idéias, faltou o elemento essencial: o conhecimento das leis a que se acha sujeito o princípio espiritual. Estava reservado à nossa época esse conhecimento, como o esteve aos dois últimos séculos o das leis da matéria.
16. - Até ao presente, o estudo do princípio espiritual, compreendido na Metafísica, foi puramente especulativo e teórico. No Espiritismo, é inteiramente experimental. Com o auxílio da faculdade mediúnica, mais desenvolvida presentemente e, sobretudo, generalizada e mais bem estudada, o homem se achou de posse de um novo instrumento de observação. A mediunidade foi, para o mundo espiritual, o que o telescópio foi para o mundo astral e o microscópio para o dos infinitamente pequenos. Permitiu se explorassem, estudassem, por assim dizer, de visu, as relações daquele mundo com o mundo corpóreo; que, no homem vivo, se destacasse do ser material o ser inteligente e que se observassem os dois a atuar separadamente. Uma vez estabelecidas relações com os habitantes do mundo espiritual, possível se tornou ao homem seguir a alma em sua marcha ascendente, em suas migrações, em suas transformações. Pode-se, enfim, estudar o elemento espiritual. Eis aí o de que careciam os anteriores comentadores da Gênese, para a compreenderem e lhe retificarem os erros.
17. - Estando o mundo espiritual e o mundo material em incessante contacto, os dois são solidários; ambos têm a sua parcela de ação na Gênese. Sem o conhecimento das leis que regem o primeiro, tão impossível seria constituir-se uma Gênese completa, quanto a um estatuário dar vida a uma estátua. Somente agora, conquanto nem a Ciência material, nem a Ciência espiritual hajam dito a última palavra, possui o homem os dois elementos próprios a lançar luz sobre esse imenso problema. Eram-lhe absolutamente indispensáveis essas duas chaves para chegar a uma solução, embora aproximativa."

("A Gênese", Allan Kardec)