sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

"A REENCARNAÇÃO"


"Parte Segunda – Capítulo 4"

"Pluralidade das existências"

"A Reencarnação"


"166 Como a alma, que não alcançou a perfeição durante a vida corporal, pode acabar de se depurar?
– Submetendo-se à prova de uma nova existência.
166 a Como a alma realiza essa nova existência? É pela sua transformação como Espírito?
– A alma, ao se depurar, sofre sem dúvida uma transformação, mas para isso é preciso que passe pela prova da vida corporal.
166 b A alma tem, portanto, que passar por muitas existências corporais?
– Sim, todos nós temos muitas existências. Os que dizem o contrário querem vos manter na ignorância em que eles próprios se encontram. Esse é o desejo deles.
166 c Desse princípio parece resultar que a alma, após ter deixado um corpo, toma outro, ou seja, reencarna em um novo corpo. É assim que se deve entender?
– Evidentemente.
167 Qual é o objetivo da reencarnação?
– Expiação, melhoramento progressivo da humanidade. Sem isso, onde estaria a justiça?
168 O número de existências corporais é limitado ou o Espírito reencarna perpetuamente?
– A cada nova existência, o Espírito dá um passo no caminho do progresso. Quando se libertar de todas as suas impurezas, não tem mais necessidade das provações da vida corporal.
169 O número de encarnações é o mesmo para todos os Espíritos?
– Não; aquele que caminha rápido se poupa das provas. Todavia, essas encarnações sucessivas são sempre muito numerosas, porque o progresso é quase infinito.
170 Em que se torna o Espírito após sua última encarnação?
– Espírito bem-aventurado; é um Espírito puro."

("O Livro dos Espíritos", Allan Kardec)


OS ANJOS

Cap.VIII
"Os anjos"



"Os anjos segundo a Igreja"

"1. - Todas as religiões têm anjos sob vários nomes, isto é, seres superiores à Humanidade, intermediários entre Deus e os homens.
Negando toda a existência espiritual fora da vida orgânica, o materialismo naturalmente classificou os anjos entre as ficções e alegorias. A crença nos anjos é parte essencial dos dogmas da Igreja, que assim os define (1):
    (1) Extraímos este resumo da pastoral do Monsenhor Gousset, cardeal-arcebispo de Reims, para a quaresma de 1864. Por ele podemos, pois, considerar os anjos, assim como os demônios, cujo resumo tiramos da mesma origem e citamos no capítulo seguinte, como última expressão do dogma da Igreja neste sentido.
2. - "Acreditamos firmemente, diz um concílio geral e ecumênico (2), que só há um Deus verdadeiro, eterno e infinito, que no começo dos tempos tirou conjuntamente do nada as duas criaturas - espiritual e corpórea, angélica e mundana - tendo formado depois, como elo entre as duas, a natureza humana, composta de corpo e Espírito."
    (2) Concílio de Latrão.
"Tal é, segundo a fé, o plano divino na obra da criação, plano majestoso e completo como convinha à eterna sabedoria. Assim concebido, ele oferece aos nossos pensamentos o ser em todos os seus graus e condições."
"Na esfera mais elevada aparecem a existência e a vida puramente espirituais; na última ordem, uma e outra puramente materiais e, intermediariamente, uma união maravilhosa das duas substâncias, uma vida ao mesmo tempo comum ao Espírito inteligente e ao corpo organizado."
"Nossa alma é de natureza simples e indivisível, porém limitada em suas faculdades. A idéia que temos da perfeição faz-nos compreender que pode haver outros seres simples quanto ela, e superiores por suas qualidades e privilégios."
"A alma é grande e nobre, porém, está associada à matéria, servida por órgãos frágeis e limitada no poder e na ação. Por que não haver outras ainda mais pobres, libertas dessa escravidão, dessas peias e dotadas de uma força e atividade maiores e incomparáveis? Antes que Deus houvesse colocado o homem na Terra, para conhecê-lo, servi-lo, e amá-lo, não teria já chamado outras criaturas, a fim de compor-lhe a corteceleste e adorá-lo no auge da glória? Deus, enfim, recebe das mãos do homem os tributos de honra e homenagem deste universo: é, portanto, de admirar que receba das mãos dos anjos o incenso e as orações do homem? Se, pois, os anjos não existissem, a grande obra do Criador não patentearia o acabamento e a perfeição que lhe são peculiares; este mundo, que atesta a sua onipotência, não fora mais a obra-prima da sabedoria; nesse caso a nossa razão, posto que fraca, poderia conceber um Deus mais consumado. Em cada página dos sagrados livros, do Velho como do Novo Testamentos, se fez menção dessas inteligências sublimes, já em piedosas invocações, já em referências históricas. A sua intervenção aparece manifestamente na vida dos patriarcas e dos profetas. Serve-se Deus de tal ministério, ora para transmitir a sua vontade, ora para anunciar futuros acontecimentos, e os anjos são também quase sempre órgãos de sua justiça e misericórdia. A sua presença ressalta das circunstâncias que acompanham o nascimento, a vida e a paixão do Salvador; a sua lembrança é inseparável da dos grandes homens, como dos fatos mais grandiosos da antigüidade religiosa. A crença nos anjos existe no seio mesmo do politeísmo e nas fábulas da mitologia, porque essa crença é tão universal e antiga quanto o mundo. O culto que os pagãos prestavam aos bons e maus gênios não era mais que falsa aplicação da verdade, um resto degenerado do primitivo dogma. As palavras do santo concílio de Latrão contêm fundamental distinção entre os anjos e os homens: - ensinam-nos que os primeiros são puros Espíritos, enquanto que os segundos se compõem de um corpo e de uma alma, isto é, que a natureza angélica subsiste por si mesma não só sem mistura como dissociada da matéria, por mais vaporosa e sutil que se suponha, ao passo que a nossa alma, igualmente espiritual, associa-se ao corpo de modo a formar com ele uma só pessoa, sendo tal e essencialmente o seu destino."
"Enquanto perdura tão íntima ligação de alma e corpo, as duas substâncias têm vida comum e se exercem recíproca influência; daí o não poder a alma libertar-se completamente das imperfeições de tal condição: as idéias chegam-lhe pelos sentidos na comparação dos objetos externos e sempre debaixo de imagens mais ou menos aparentes. Eis por que a alma não pode contemplar-se a si mesma, nem conceber Deus e os anjos sem atribuir-lhes forma visível e palpável. O mesmo se dá quanto aos anjos, que para se manifestarem aos santos e profetas hão de revestir formas tangíveis e palpáveis. Essas formas no entanto não passavam de corpos aéreos que faziam mover-se e identificar-se com eles, ou de atributos simbólicos de acordo com a missão a seu cargo."
"Seu ser e movimentos não são localizados nem circunscritos a limitado e fixo ponto do Espaço. Desligados integralmente do corpo, não ocupam qualquer espaço no vácuo; mas assim como a nossa alma existe integral no corpo e em cada uma de suas partes, assim também os anjos estão, e quase que simultaneamente, em todos os pontos e partes do mundo. Mais rápidos que o pensa-mento, podem agir em toda parte num dado momento, operando por si mesmos sem outros obstáculos, senão os da vontade do Criador e os da liberdade humana. Enquanto somos condenados a ver lenta e limitadamente as coisas externas; enquanto as verdades sobrenaturais se nos afiguram enigmas num espelho, na frase de S. Paulo, eles, os anjos, vêem sem esforço o que lhes importa saber, e estão sempre em relação imediata com o objeto de seus pensamentos. Os seus conhecimentos são resultantes não da indução e do raciocínio, mas dessa intuição clara e profunda que abrange de uma só vez o gênero e as espécies deles derivadas, os princípios e as conseqüências que deles decorrem. A distância das épocas, a diferença de lugares, como a multiplicidade de objetos, confusão alguma podem produzir em seus espíritos."
"Infinita, a essência divina é incompreensível; tem mistérios e profundezas que se não podem penetrar; mas em lhes serem defesos os desígnios particulares da Providência, ela lhos desvenda quando em certas circunstâncias são encarregados de os anunciarem aos homens. As comunicações de Deus com os anjos e destes entre si, não se fazem como entre nós por meio de sons articulados e de sinais sensíveis. As puras inteligências não têm necessidade nem de olhos para ver, nem de ouvidos para ouvir; tampouco possuem órgão vocal para manifestar seus pensamentos. Este instrumento usual de nossas relações é-lhes desnecessário, pois comunicam seus sentimentos de modo só a eles peculiar, isto é, todo espiritual. Basta-lhes querer para se compreenderem. Unicamente Deus conhece o número dos anjos. Este número não é, sem dúvida, infinito, nem pudera sê-lo; porém, segundo os autores sagrados e os santos doutores, é assaz considerável, verdadeiramente prodigioso. Se se pode proporcionar o número de habitantes de uma cidade à sua grandeza e extensão, e sendo a Terra apenas um átomo comparada ao firmamento e às imensas regiões do Espaço, força é concluir que o número dos habitantes do ar e do céu é muito superior ao dos homens.E se a majestade dos reis se ostenta pelo brilhantismo e número dos vassalos, dos oficiais e dos súditos, que haverá de mais próprio a dar-nos idéia da majestade do Rei dos reis do que essa multidão inumerável de anjos que povoam céus e Terra, mar e abismos, a dignidade dos que permanecem continuamente prostrados ou de pé ante seu trono?"
"Os padres da Igreja e os teólogos ensinam geralmente que os anjos se dividem em três grandes hierarquias ou principados, e cada hierarquia em três companhias ou coros."
"Os da primeira e mais alta hierarquia designam-se conformemente às funções que exercem no céu: - Os Serafins são assim designados por serem como que abrasadosperante Deus pelos ardores da caridade; outros, os Querubins, por isso que refletem luminosamente a divina sabedoria; e finalmente Tronos os que proclamam a grandeza do Criador, cujo brilho fazem resplandecer."
"Os anjos da segunda hierarquia recebem nomes consentâneos com as operações que se lhes atribui no governo geral do Universo, e são: - as Dominações, que determinam aos anjos de classes inferiores suas missões e deveres; as Virtudes, que promovem os prodígios reclamados pelos grandes interesses da Igreja e do gênero humano; e as Potências, que protegem por sua força e vigilância as leis que regem o mundo físico e moral."
"Os da terceira hierarquia têm por missão a direção das sociedades e das pessoas, e são: os Principados, encarregados de reinos, províncias e dioceses; os Arcanjos, que transmitem as mensagens de alta importância, e os Anjos de guarda, que acompanham as criaturas a fim de velarem pela sua segurança e santificação."

Refutação

3. - O princípio geral resultante dessa doutrina é que os anjos são seres puramente espirituais, anteriores e superiores à Humanidade, criaturas privilegiadas e votadas ã felicidade suprema e eterna desde a sua formação, dotadas, por sua própria natureza, de todas as virtudes e conhecimentos, nada tendo feito, aliás, para adquiri-los. Estão, por assim dizer, no primeiro plano da Criação, contrastando com o último onde a vida é puramente material; e, entre os dois, medianamente existe a Humanidade, isto é, as almas, seres inferiores aos anjos e ligados a corpos materiais.
De tal sistema decorrem várias dificuldades capitais: - Em primeiro lugar, que vida é essa puramente material? Será a da matéria bruta? Mas a matéria bruta é inanimada e não tem vida por si mesma. Acaso referir-se-á aos animais e às plantas?
Neste suposto seria uma quarta ordem na Criação, pois não se pode negar que no animal inteligente algo há de mais que numa planta, e nesta, que numa simples pedra.
Quanto à alma humana, que estabelece a transição, essa fica diretamente unida a um corpo, matéria bruta, aliás; porque sem alma o corpo tem tanta vida como qualquer bloco de terra.
Evidentemente, esta divisão é obscura e não se compadece com a observação; assemelha-se à teoria dos quatro elementos, anulada pelos progressos da Ciência. Admitamos, entretanto, estes três termos: - a criatura espiritual, a humana e a corpórea, pois que tal é, dizem, o plano divino, majestoso e completo como convém à Eterna Sabedoria. Notemos antes de tudo que não há ligação alguma necessária entre esses três termos, e que são três criações distintas e formadas sucessivamente, ao passo que em a Natureza tudo se encadeia, mostrando-nos uma lei de unidade admirável, cujos elementos, não passando de transformações entre si, têm, contudo, seus laços de união.
Mas essa teoria, incompleta embora, é, até certo ponto, verdadeira, quanto à existência dos três termos; faltam-lhe os pontos de contacto desses termos, como é fácil demonstrar.
4. - Diz a Igreja que esses três pontos culminantes da Criação são necessários à harmonia do conjunto. Desde que lhe falte um só que seja, a obra incompleta não mais se compadece com a Sabedoria Eterna. Entretanto, um dos dogmas fundamentais diz que a Terra, os animais, as plantas, o Sol e as estrelas e até a luz foram criados do nada, há seis mil anos. Antes dessa época não havia, portanto, criatura humana nem corpórea - o que importa dizer que no decurso da eternidade a obra divina jazia imperfeita. É artigo de fé capital a criação do Universo, há seis mil anos, tanto que há pouco ainda era a Ciência anatematizada por destruir a cronologia bíblica, provando maior ancianidade da Terra e de seus habitantes.
Apesar disso, o concílio de Latrão, concílio ecumênico que faz lei em matéria ortodoxa, diz: "Acreditamos firmemente num Deus único e verdadeiro, eterno e infinito, que no começo dos tempos tirou conjuntamente do nada as duas criaturas - espiritual e corpórea." Por começo dos tempos só podemos inferir a eternidade transcorrida, visto ser o tempo infinito como o Espaço, sem começo nem fim. Esta expressão, começo dos tempos, é antes uma figura que implica a idéia de uma anterioridade ilimitada. O concílio de Latrão acredita, pois, firmemente, que as criaturas espirituais como as corpóreas foram simultaneamente formadas e tiradas em conjunto do nada, numa época indeterminada, no passado. A que fica reduzido, assim, o texto bíblico que data a Criação de seis mil dos nossos anos? E, ainda que se admita seja tal o começo do Universo visível, esse não é seguramente o começo dos tempos. Em qual crer: - no concílio ou na Bíblia?
5. - O concílio formula, além disso, uma estranha proposição: "Nossa alma, diz, igualmente espiritual, é associada ao corpo de maneira a não formar com ele mais que uma pessoa, e tal é, essencialmente, o seu destino." Ora, se o destino essencial da alma é estar unida ao corpo, esta união constitui o estado normal, o desígnio, o fim, por isso que é o seu destino. Entretanto, a alma é imortal e o corpo não; a união daquela com este só se realiza uma vez, segundo a Igreja, e ainda que durasse um século, nada seria em relação à eternidade. E sendo apenas de algumas horas para muitos, que utilidade teria para a alma união tão efêmera? Mas, que se prolongue essa união tanto quanto se pode prolongar uma existência terrena e, ainda assim, poder-se-á afirmar que o seu destino é estar essencialmente integrada? Não, essa união mais não é na realidade do que um incidente, um estádio da alma, nunca o seu estado essencial.
Se o destino essencial da alma é estar ligada ao corpo humano; se por sua natureza e segundo o fim providencial da Criação, essa união é necessária às manifestações das suas faculdades, forçoso é concluir que, sem corpo, a alma humana é um ser incompleto. Ora, para que a alma preencha os seus desígnios, deixando um corpo preciso se faz que tome um outro - o que nos conduz à pluralidade forçada das existências, ou, por outra, à reencarnação, à perpetuidade.
É verdadeiramente estranhável que um concílio, havido por uma das luzes da Igreja, tenha a tal ponto identificado os seres espiritual e material, de modo a não subsistirem por si mesmos, pois que a condição essencial da sua criação é estarem unidos.
6. - O quadro hierárquico dos anjos nos mostra que várias ordens têm, nas suas atribuições, o governo do mundo físico e da Humanidade, para cujo fim foram criados. Mas, segundo a Gênese, o mundo físico e a Humanidade não existem senão há seis mil anos; e o que faziam, pois, tais anjos, anteriormente a essa era, durante a eternidade, quando não existia o objetivo das suas ocupações? E teriam eles sido criados de toda a eternidade? Assim deve ser, uma vez que servem à glorificação do Todo-Poderoso. Mas, criando-os numa época qualquer determinada, Deus ficaria até então, isto é, durante uma eternidade, sem adoradores.
7 - Diz ainda o concílio: "Enquanto dura esta união tão intima da alma com o corpo." Há, por conseguinte, um momento em que a união se desfaz? Esta proposição contradita a que sustenta a essencialidade dessa união. E diz mais o concílio: "As idéias lhes chegam pelos sentidos, na comparação dos objetos exteriores." Eis aí uma doutrina filosófica em parte verdadeira, que não em sentido absoluto.
Receber as idéias pelos sentidos é, segundo o eminente teólogo, uma condição inerente à natureza humana; mas ele esquece as idéias inatas, as faculdades por vezes tão transcendentes, a intuição das coisas que a criança traz do berço, não devidas a quaisquer ensinos. Por meio de quais sentidos, jovens pastores, naturais calculistas, admiração dos sábios, adquirem idéias necessárias à resolução quase instantânea dos mais complicados problemas? Outro tanto pode dizer-se de músicos, pintores e filólogos precoces.
"Os conhecimentos dos anjos não resultam da indução e do raciocínio"; têm-nos porque são anjos, sem necessidade de aprendê-los, pois tais foram por Deus criados: quanto à alma, essa deve aprender. Mas se a alma só recebe as idéias por meio dos órgãos corporais, que idéias pode ter a alma de uma criança morta ao fim de alguns dias, se admitirmos com a Igreja que essa alma não renasce?
8. Aqui reponta uma questão vital, qual a de saber-se se a alma pode adquirir conhecimentos após a morte do corpo. Se uma vez liberta do corpo não pode adquirir novos conhecimentos, a alma da criança, do selvagem, do imbecil, do idiota ou do ignorante permanecera tal qual era no momento da morte, condenada à nulidade por todo o sempre. Mas se, ao contrário, ela adquire novos conhecimentos depois da vida atual, então, é que pode progredir.
Sem progresso ulterior para a alma, chega-se a conclusões absurdas, tanto quanto admitindo-o se conclui pela negação de todos os dogmas fundados sobre o estacionamento, a sorte irrevogável, as penas eternas, etc. Progredindo a alma, qual o limite do progresso? Não há razão para não atingir por ele ao grau dos anjos, ou puros Espíritos. Ora, com tal possibilidade não se justificaria a criação de seres especiais e privilegiados, isentos de qualquer labor, gozando incondicionalmente de eterna felicidade, ao passo que outros seres menos favorecidos só obtêm essa felicidade a troco de longos, de cruéis sofrimentos e rudes provas. Sem dúvida que Deus poderia ter assim determinado, mas, admitindo-lhe o infinito de perfeição sem a qual não fora Deus, força é admitir que coisa alguma criaria inutilmente, desmentindo a sua justiça e bondade soberanas.
9. - "E se a majestade dos reis ostenta o seu brilhantismo pelo número dos vassalos, oficiais e súditos, que haverá de mais próprio a dar-nos idéia da majestade do Rei dos reis do que essa inumerável multidão de anjos que povoam céu e terra, mar e abismos, a dignidade dos que permanecem continuamente prostrados ou de pé ante seu trono?"
E não será rebaixar a Divindade confrontá-la com o fausto dos soberanos da Terra? Essa idéia, inculcada no espírito das massas ignorantes, falseia a opinião de sua verdadeira grandeza. Sempre Deus reduzido às mesquinhas proporções da Humanidade! Atribuir-lhe, como necessidade, milhões de adoradores, perenemente genuflexos, é emprestar-lhe vaidade e fraqueza próprias dos orgulhosos déspotas do Oriente! E que é que engrandece os soberanos verdadeiramente grandes? É o número e brilho dos cortesãos? não; é a bondade, é a justiça, é o título merecido de pais do seu povo. perguntareis se haverá algo de mais próprio a dar-nos a idéia da grandeza e majestade de Deus do que a multidão de anjos que lhe compõem a corte... Mas, certamente que há, e essa coisa melhor é apresentar-se Deus às suas criaturas soberanamente bom, justo e misericordioso, que não colérico, invejoso, vingativo, exterminador e parcial, criando para sua própria glória esses seres privilegiados, cumulados de todos os dons e nascidos para a felicidade eterna, enquanto a outros impõe condições penosas na aquisição de bens, punindo erros momentâneos com eternos suplícios...
10. - A respeito da união da alma com o corpo, o Espiritismo professa uma doutrina infinitamente mais espiritualista, para não dizer menos materialista, tendo ao demais a seu favor a conformidade com a observação e o destino da alma. Ele ensina-nos que a alma é independente do corpo, não passando este de temporário invólucro: a espiritualidade é-lhe a essência, e a sua vida normal é a vida espiritual. O corpo é apenas instrumento da alma para exercício das suas faculdades nas relações com o mundo material; separada desse corpo, goza dessas faculdades mais livre e altamente.
11. - A união da alma com o corpo, em ser necessária aos seus primeiros progressos, só se opera no período que poderemos classificar como da sua infância e adolescência; atingido, porém, que seja, um certo grau de perfeição e desmaterialização, essa união é prescindível, o progresso faz-se na sua vida de Espírito. Demais, por numerosas que sejam as existências corpóreas, elas são limitadas à existência do corpo, e a sua soma total não compreende, em todos os casos, senão uma parte imperceptível da vida espiritual, que é ilimitada.

Os anjos segundo o Espiritismo

12. - Que haja seres dotados de todas as qualidades atribuídas aos anjos, não restam dúvidas. A revelação espírita neste ponto confirma a crença de todos os povos, fazendo-nos conhecer ao mesmo tempo a origem e natureza de tais seres.
As almas ou Espíritos são criados simples e ignorantes, isto é, sem conhecimentos nem consciência do bem e do mal, porém, aptos para adquirir o que lhes falta. O trabalho é o meio de aquisição, e o fim - que é a perfeição - é para todos o mesmo. Conseguem-no mais ou menos prontamente em virtude do livre-arbítrio e na razão direta dos seus esforços; todos têm os mesmos degraus a franquear, o mesmo trabalho a concluir. Deus não aquinhoa melhor a uns do que a outros, porquanto é justo, e, visto serem todos seus filhos, não tem predileções. Ele lhes diz: Eis a lei que deve constituir a vossa norma de conduta; ela só pode levar-vos ao fim; tudo que lhe for conforme é o bem; tudo que lhe for contrário é o mal. Tendes inteira liberdade de observar ou infringir esta lei, e assim sereis os árbitros da vossa própria sorte.
Conseguintemente, Deus não criou o mal; todas as suas leis são para o bem, e foi o homem que criou esse mal, divorciando-se dessas leis; se ele as observasse escrupulosamente, jamais se desviaria do bom caminho.
13. - Entretanto, a alma, qual criança, é inexperiente nas primeiras fases da existência, e daí o ser falível. Não lhe dá Deus essa experiência, mas dá-lhe meios de adquiri-la. Assim, um passo em falso na senda do mal é um atraso para a alma, que, sofrendo-lhe as conseqüências, aprende à sua custa o que importa evitar. Deste modo, pouco a pouco, se desenvolve, aperfeiçoa e adianta na hierarquia espiritual até ao estado de puro Espírito ou anjo. Os anjos são, pois, as almas dos homens chegados ao grau de perfeição que a criatura comporta, fruindo em sua plenitude a prometida felicidade. Antes, porém, de atingir o grau supremo, gozam de felicidade relativa ao seu adiantamento, felicidade que consiste, não na ociosidade, mas nas funções que a Deus apraz confiar-lhes, e por cujo desempenho se sentem ditosas, tendo ainda nele um meio de progresso. (Vede 1ª Parte, cap. III, "O céu".)
14. A Humanidade não se limita à Terra; habita inúmeros mundos que no Espaço circulam; já habitou os desaparecidos, e habitará os que se formarem. Tendo-a criado de toda a eternidade, Deus jamais cessa de criá-la. Muito antes que a Terra existisse e por mais remota que a suponhamos, outros mundos havia, nos quais Espíritos encarnados percorreram as mesmas fases que ora percorrem os de mais recente formação, atingindo seu fim antes mesmo que houvéramos saído das mãos do Criador.
De toda a eternidade tem havido, pois, puros Espíritos ou anjos; mas, como a sua existência humana se passou num infinito passado, eis que os supomos como se tivessem sido sempre anjos de todos os tempos.
15. Realiza-se assim a grande lei de unidade da Criação; Deus nunca esteve inativo e sempre teve puros Espíritos, experimentados e esclarecidos, para transmissão de suas ordens e direção do Universo, desde o governo dos mundos até os mais ínfimos detalhes. Tampouco teve Deus necessidade de criar seres privilegiados, isentos de obrigações; todos, antigos e novos, adquiriram suas posições na luta e por mérito próprio; todos, enfim, são filhos de suas obras.
E, desse modo, completa-se com igualdade a soberana justiça do Criador."

("O Céu e o Inferno", Allan Kardec)

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

DEFINIÇÕES

"O que sentes
revela o rumo
para onde te diriges.

O que pensas te aponta
o lugar
em que te encontras.

O que falas
indica o que sabes.

O que fazes
mostra quem és."



(Emmanuel)

"OS MENSAGEIROS DISTRAÍDOS"


"Os ouvintes do culto da Boa Nova discorriam sobre as polêmicas que se travavam incessantemente
em torno da fé, nos círculos do farisaísmo de várias escolas, quando o Cristo, dentro
da profunda simplicidade que lhe era característica, narrou, tolerante:
— Um grande senhor recebeu alarmantes notícias de vasto agrupamento de servos, em
zona distante da sede do seu governo, que se viam fustigados por febre maligna, e, desejoso de
socorrer os tutelados que sofriam na região remota de seus domínios, enviou-lhes mensageiros
de confiança, conduzindo remédios adequados à situação e providências alusivas ao reajustamento
geral.
Os emissários saíram do palácio com grandes promessas de trabalho, segurança e eficiência
na missão; todavia, assim que se viram fora das portas do senhor, começaram a rixar pela
escolha dos caminhos.
Uns reclamavam o atalho, outros a planície sem espinheiros e outros, ainda, pediam a
passagem através dos montes.
Longos dias perderam na disputa, até que o grupo se desuniu, cada falange atendendo
aos próprios caprichos, com absoluto esquecimento do objetivo fundamental.
As dificuldades, porém, não foram solucionadas com decisão. Criados os roteiros diferentes,
como que se dilataram os conflitos. Reduzidas agora, numericamente, as expedições
sofreram, com mais rigor, os golpes esterilizantes das opiniões pessoais. Os viajantes não cuidavam
senão de inventar novos motivos para o atrito inútil. Entre os que marchavam pelo trilho
mais curto, pela vargem e pela serra lavraram discussões improdutivas, contundentes e
intermináveis. Dias e noites preciosos eram desprendidos em comentários ruidosos quanto à
febre, quanto à condição dos enfermos ou quanto às paisagens em torno. Horas difíceis de
amargura e desarmonia, de momento a momento, interrompiam a viagem, sendo a muito custo
evitadas as cenas de pugilato e homicídio.
Surgiram as contendas, a propósito de mínimas questões, com pleno desperdício da oportunidade,
e, em razão disso, tanto se atrasaram os viajores do atalho, quanto os da planície
e do monte, de vez que se encontraram no vale da peste a um só tempo, com enorme e irremediável
desapontamento para todos, porquanto, à míngua do prometido recurso, não sobrara
nenhum doente vivo na carne.
A morte devorara-os, um a um, enquanto os mensageiros discutidores matavam o tempo,
através da viagem.
O Mestre fixou nos aprendizes o olhar muito lúcido e aduziu:
— Neste símbolo, temos o mundo atacado pela peste da maldade e da descrença e vemos
o retrato dos portadores da medicação celeste, que são os religiosos de todos os matizes,
que falam na Terra, em nome do Pai. Os homens iluminados pela sabedoria da fé, entretanto,
apesar de haverem recebido valiosos recursos do Céu para os que sofrem e choram, em conseqüência
da ignorância e da aflição dominantes no mundo, olvidam as obrigações que lhes assinalam
a vida e, sobrepondo os próprios caprichos aos propósitos do Supremo Senhor, se desmandam
em desvarios verbais de toda espécie. Enquanto alimentam o distúrbio, levianos e
distraídos, os necessitados de luz e socorro desfalecem à falta de assistência e dedicação.
E afagando uma das crianças presentes, qual se concentrasse todas as esperanças no sublime
futuro, finalizou, sorridente e calmo:
— A discussão, por mais proveitosa, nunca deve distrair-nos do serviço que o Senhor
nos deu a fazer."

("Jesus no Lar", Neio Lúcio,/Francisco Cândido Xavier)

sábado, 25 de dezembro de 2010

"REGULAMENTO DA SOCIEDADE PARISIENSE DE ESTUDOS ESPÍRITAS"

CAPÍTULO XXX

"Regulamento da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas"




"Fundada a 1 de abril de 1858

E autorizada por decreto do Sr. Prefeito de Polícia, em data de 13 de abril de 1858, de acordo com o aviso do Exmo. Sr. Ministro do Interior e da Segurança Geral.
NOTA. Conquanto este regulamento seja fruto da experiência, não o apresentamos como lei absoluta, mas unicamente para facilitar a formação de Sociedades aos que as queiram fundar, os quais aí encontrarão os dispositivos que lhes pareçam convenientes e aplicáveis às circunstâncias que lhes sejam peculiares. Embora já simplificada, essa organização ainda o poderá ser muito mais, quando se trate, não de Sociedades regularmente constituídas, mas de simples reuniões íntimas, que apenas necessitam adotar medidas de ordem, de precaução e de regularidade nos trabalhos. Apresentamo-lo, igualmente, para o governo dos que desejam manter relações com a Sociedade parisiense, quer como correspondentes, quer a título de membros da Sociedade.

CAPÍTULO I - Fins e formação da Sociedade

Art. 1° - A Sociedade tem por objeto o estudo de todos os fenômenos relativos às manifestações espíritas e suas aplicações às ciências morais, físicas, históricas e psicológicas. São defesas nela as questões políticas, de controvérsia religiosa e de economia social.
Toma por título: Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas.
Art. 2° - A Sociedade se compõe de sócio titulados, de associados livres e de sócios correspondentes. Pode conferir o título de sócio honorário a pessoas residentes na França ou no estrangeiro, que, pela sua posição ou por seus trabalhos, lhe possam prestar serviços assinaláveis.
Os sócios honorários são todos os anos submetidos à reeleição.
Art. 3° - A Sociedade não admitirá senão as pessoas que simpatizem com seus princípios e com o objetivo de seus trabalhos, as que já se achem iniciadas nos princípios fundamentais da ciência espírita, ou que estejam seriamente animadas do desejo de nesta se instruírem. Em conseqüência, exclui todo aquele que possa trazer elementos de perturbação às suas reuniões, seja por espírito de hostilidade e de oposição sistemática, seja por qualquer outra causa, e fazer, assim, que se perca o tempo em discussões inúteis.
A todos os seus associados corre o dever de recíproca benevolência e bom proceder, cumprindo-lhes, em todas as circunstâncias, colocar o bem geral acima das questões pessoais e de amor-próprio.
Art. 4° - Para ser admitido como associado livre deve o candidato dirigir ao Presidente um pedido por escrito, apostilado por dois sócios titulares, que se tornam fiadores das intenções do postulante.
O pedido deve informar sumariamente: 1°, se o requerente já possui alguns conhecimentos do Espiritismo; 2°, o estado de sua convicção sobre os pontos fundamentais da ciência; 3°, o compromisso de se sujeitar em tudo ao regulamento.
O pedido será submetido à comissão de que fala o artigo 11, que o examinará e proporá, se julgar conveniente, a admissão, o adiamento, ou indeferimento.
O adiamento é de rigor, com relação a todo candidato que ainda nenhum conhecimento possua da ciência espírita e que não simpatize com os princípios da Sociedade.
Os associados livres têm o direito de assistir às sessões, de tomar parte nos trabalhos e nas discussões que tenham por objeto o estudo, mas, em caso algum, terão voto deliberativo, no que diga respeito aos negócios da Sociedade.
Os associados livres só o serão durante o ano em que tenham sido aceitos e, para permanecerem na Sociedade, a admissão deles deverá ser ratificada no fim desse primeiro ano.
Art. 5° - Para ser sócio titular, é preciso que a pessoa tenha sido, pelo menos durante um ano, associado livre, tenha assistido a mais de metade das sessões e dado, durante esse tempo, provas notórias de seus conhecimentos e de suas convicções em matéria de Espiritismo, de sua adesão aos princípios da Sociedade e do desejo de proceder, em todas as circunstâncias, para com seus colegas, de acordo com os princípios da caridade e da moral espírita.
Os associados livres, que hajam assistido regularmente, durante seis meses, às sessões da Sociedade, poderão ser admitidos como sócios titulares se, ao demais, preencherem as outras condições.
A admissão será proposta ex-ofício pela comissão, com o assentimento do associado, se for, além disso, apoiado por três outros sócios titulares. Em seguida, se tiver cabimento, será votada pela Sociedade, em escrutínio secreto, após um relatório verbal da comissão. Só os sócios titulares têm voto deliberativo e gozam da faculdade concedida pelo art. 25.
Art. 6° - A Sociedade limitará, se julgar conveniente, o número dos associados livres e dos sócios titulares.
Art. 7° - Sócios correspondentes são os que, não residindo em Paris, mantenham relações com a Sociedade e lhe forneçam documentos úteis a seus estudos. Podem ser nomeados por proposta de um único sócio titular.

CAPÍTULO II - Administração

Art. 8° - A Sociedade é administrada por um Presidente-diretor, assistido pelos membros de uma diretoria e de uma comissão.
Art. 9° - A diretoria se compõe de: 1 Presidente, 1 Vice-Presidente, 1 Secretário principal, 2 Secretários adjuntos e 1 Tesoureiro. Além desses, um ou mais Presidentes honorários poderão ser nomeados. Na falta do Presidente e do Vice-Presidente, as sessões serão presididas por um dos membros da comissão.
Art. 10° - O Presidente-diretor deverá dedicar todos os seus cuidados aos interesses da Sociedade e da ciência espírita. Cabem-lhe a direção geral e a alta superintendência da administração, assim como a conservação dos arquivos.
O Presidente é nomeado por três anos, os outros membros da diretoria por um ano, indefinidamente reelegíveis.
Art. 11° - A comissão se compõe dos membros da diretoria e de cinco outros sócios titulares, escolhidos de preferência entre os que tiverem dado concurso ativo aos trabalhos da Sociedade, prestado serviços à causa do Espiritismo, ou demonstrado possuir ânimo benevolente e conciliador. Estes cinco membros são, como os da diretoria, eleitos por um ano e reelegíveis.
A comissão é, de direito, presidida pelo Presidente-diretor, ou, em falta deste, pelo Vice-Presidente, ou por aquele de seus outros membros que para esse efeito seja designado.
A comissão tem a seu cargo o exame prévio de todas as questões e proposições administrativas e outras que hajam de ser submetidas à Sociedade; a fiscalização das receitas e despesas desta e as contas do Tesoureiro; a autorização das despesas ordinárias e a adoção de todas as medidas de ordem, que julgue necessárias.
Compete-lhe, além disso, examinar os trabalhos e assuntos de estudo, propostos pelos diversos sócios, formulá-los ela própria, a seu turno, e determinar a ordem das sessões, de acordo com o Presidente.
O Presidente poderá sempre opor-se a que certos assuntos sejam tratados e postos na ordem do dia, cabendo-lhe recorrer da sua decisão para a Sociedade, que resolverá afinal.
A comissão se reunirá regularmente antes das sessões, para exame dos casos ocorrentes e, também, sempre que julgar conveniente.
Os membros da diretoria e da comissão que, sem participação, se ausentem por três meses consecutivos, são tidos como renunciantes às suas funções, cumprindo providenciar-se para a substituição deles.
Art. 12° - As decisões, quer da Sociedade, quer da comissão, serão tomadas por maioria absoluta de votos dos membros presentes; em caso de empate, preponderará o voto do Presidente.
A comissão poderá deliberar quando estiverem presentes quatro de seus membros. O escrutínio secre to será obrigatório, se o reclamarem cinco membros.
Art. 13° - De três em três meses, seis sócios, escolhidos entre os titulares e os associados livres, serão designados para desempenhar as funções de comissários.
Os comissários são encarregados de velar pela boa ordem e regularidade das sessões e de verificar o direito de entrada de toda pessoa que se apresenta para a elas assistir. Para esse efeito, os sócios designados se entenderão, de maneira que um deles esteja presente a abertura das sessões.
Art. 14° - O ano social começa a 1 de abril.
As nomeações para a diretoria e para a comissão se farão na primeira sessão do mês de maio. Os membros de uma e outra, em exercício, continuarão nas suas funções até essa época.
Art. 15° - Para se proverem às despesas da Sociedade, os titulares pagarão uma cota anual de 24 francos e os associados livres a de 20 francos.
Os sócios titulares, ao serem admitidos, pagarão, além disso, de uma vez, como jóia de entrada, 10 francos.
A cota é paga integralmente por ano corrente.
Os que forem admitidos só terão que pagar, do ano em que se der a admissão, os trimestres ainda não decorridos, incluído o em que essa admissão se verificar.
Quando marido e mulher forem aceitos como associados livres, ou titulares, só uma cota e meia será exigida pelos dois.
Cada seis meses, a 1 de abril e 1 de outubro, o Tesoureiro prestará à Comissão contas do emprego e da situação dos fundos.
Pagas as despesas ordinárias de alugueres e outras obrigatórias, se houver saldo a Sociedade determinará o emprego a dar-se-lhe.
Art. 16° - A todos os admitidos, associados livres ou titulares, se conferirá um cartão de admissão, comprovando-lhe a categoria. Esse cartão fica com o Tesoureiro, de cujo poder o novo sócio poderá retirá-lo, pagando a sua cota e a jóia de entrada. Ele não poderá assistir às sessões senão depois de haver retirado o seu cartão. Não o tendo feito até um mês depois da sua admissão, será considerado demissionário.
Será igualmente considerado demissionário, todo sócio que não houver pago sua cota anual no primeiro mês da renovação do ano social, desde que fique sem resultado um aviso que o Tesoureiro lhe enviará.

CAPÍTULO III - Das sessões

Art. 17° - As sessões da Sociedade se realizarão às sextas-feiras, às 8 horas da noite, salvo modificação, se for necessária.
As sessões serão particulares ou gerais; nunca serão públicas. Todos os que façam parte da Sociedade, sob qualquer título, devem, em cada sessão, assinar os nomes numa lista de presença.
Art. 18° - O silêncio e o recolhimento são rigorosamente exigidos durante as sessões, e, principalmente, durante os estudos. Ninguém pode usar da palavra, sem a ter obtido do Presidente.
Todas as perguntas aos Espíritos devem ser feitas por intermédio do Presidente, que poderá recusar formulá-las, conforme as circunstâncias.
São especialmente interditas todas as perguntas fúteis, de interesse pessoal, de pura curiosidade, ou que tenham o objetivo de submeter os Espíritos a provas, assim como todas as que não tenham um fim geral, do ponto de vista dos estudos.
São igualmente interditas todas as discussões capazes de desviar a sessão do seu objeto especial.
Art. 19° - Todo sócio tem o direito de reclamar seja chamado à ordem aquele que se afaste das conveniências nas discussões, ou perturbe as sessões, de qualquer maneira. A reclamação será imediatamente posta a votos; se for aprovada, constará na ata.
Três chamadas à ordem, no espaço de um ano, acarretam, de direito, a eliminação do sócio que nelas haja incorrido, qualquer que seja a sua categoria.
Art. 20° - Nenhuma comunicação espírita, obtida fora da Sociedade, pode ser lida, antes de submetida, seja ao Presidente, seja à comissão, que podem admitir ou recusar a leitura.
Nos arquivos deverá ficar depositada uma cópia de toda comunicação estranha, cuja leitura tenha sido autorizada.
Todas as comunicações obtidas durante as sessões pertencem à Sociedade, podendo os médiuns que as tomaram, tirar delas uma cópia.
Art. 21° - As sessões particulares são reservadas aos membros da Sociedade. Realizar-se-ão nas 1ª e 3ª sextas-feiras de cada mês e também na 5ª quando houver.
A Sociedade reserva para as sessões particulares todas as questões concernentes aos negócios administrativos, assim como os assuntos de estudo que mais tranqüilidade e concentração reclamem, ou que ela julgue conveniente aprofundar, antes de tratá-lo em presença de pessoas estranhas.
Têm direito de assistir às sessões particulares, além dos sócios titulares e dos associados livres, os sócios correspondentes, que se achem temporariamente em Paris, e os médiuns que prestem seu concurso à Sociedade.
Nenhuma pessoa estranha a esta será admitida às sessões particulares, salvo casos excepcionais e com assentimento prévio do Presidente.
Art. 22° - As sessões gerais se realizarão nas 2ª e 4ª sextas-feiras de cada mês.
Nas sessões gerais, a Sociedade autoriza a admissão de ouvintes estranhos, que poderão a elas assistir temporariamente, sem tomarem parte nelas. Cabe-lhe retirar essa autorização, quando julgue conveniente.
Ninguém pode assistir às sessões, como ouvinte, sem ser apresentado ao Presidente, por um sócio, que se torna fiador de seu cuidado em não causar perturbação, nem interrupção.
A Sociedade não admite como ouvintes senão pessoas que aspirem a tornar-se seus associados, ou que simpatizem com seus trabalhos, e que já estejam suficientemente iniciadas na ciência espírita, para compreendê-los. A admissão deverá ser negada de modo absoluto a quem quer que deseje ser ouvinte por mera curiosidade, ou cujos sentimentos sejam hostis à Sociedade.
Aos ouvintes é interdito o uso da palavra, salvo casos excepcionais, a juízo do Presidente. Aquele que, de qualquer maneira, perturbar a ordem, ou manifestar má-vontade para com os trabalhos da Sociedade, poderá ser convidado a retirar-se e, em todos os casos, o fato será anotado na lista de admissão e a entrada lhe será de futuro proibida.
Devendo limitar-se o número dos ouvintes pelos lugares disponíveis, os que puderem assistir às sessões deverão ser inscritos previamente num registro criado para esse fim, com indicação dos endereços e das pessoas que os recomendam. Em conseqüência, todo pedido de entrada deverá ser dirigido, muitos dias antes da sessão, ao Presidente, que expedirá os cartões de admissão até que a lista se ache esgotada.
Os cartões de entrada só podem servir para o dia indicado e para as pessoas designadas.
A permissão de entrada não pode ser concedida ao mesmo ouvinte para mais de duas sessões, salvo autorização do Presidente e em casos excepcionais. Nenhum membro da Sociedade poderá apresentar mais de duas pessoas ao mesmo tempo. Não têm limite as entradas concedidas pelo Presidente.
Os ouvintes não serão admitidos depois de aberta a sessão.

CAPÍTULO IV - Disposições diversas

Art. 23° - Todos os membros da Sociedade lhe devem inteiro concurso. Em conseqüência, são convidados a colher, nos seus respectivos círculos de observações, os fatos antigos ou recentes, que possam dizer respeito ao Espiritismo, e a os assinalar. Cuidarão, ao mesmo tempo, de inquirir, tanto quanto possível, da notoriedade deles.
São igualmente convidados a lhe dar conhecimento de todas as publicações que possam relacionar-se mais ou menos diretamente com objetivo de seus trabalhos.
Art. 24° - A Sociedade submeterá a um exame crítico as diversas obras que se publicarem sobre o Espiritismo, quando julgue oportuno. Para esse efeito, encarregará um de seus membros, associado livre ou titular, de lhe apresentar um relatório, que será impresso, se tiver cabimento na Revue Spirite.
Art. 25° - A Sociedade criará uma biblioteca especial composta das obras que lhe forem oferecidas e das que ela adquirir.
Os sócios titulares poderão, na sede da Sociedade, consultar quer a biblioteca, quer os arquivos nos dias e horas que para isso forem marcados.
Art. 26° - A Sociedade, considerando que a sua responsabilidade pode achar-se moralmente comprometida pelas publicações particulares de seus associados, prescreve que ninguém poderá, em qualquer escrito, usar do título de sócio da Sociedade, sem que a isso esteja por ela autorizado e sem que previamente tenha ela tido conhecimento do manuscrito. À comissão caberá fazer-lhe um relatório a esse respeito. Se a Sociedade julgar que o escrito é incompatível com seus princípios, o autor, depois de ouvido, será convidado, ou a modificá-lo, ou a renunciar à sua publicação, ou, finalmente, a não se inculcar como sócio da Sociedade. Dado que ele se não submeta à decisão que for tomada, poderá ser resolvida a sua exclusão.
Todo escrito que um sócio publicar sob o véu da anonimia e sem indicação alguma, pela qual se possa reconhecê-lo como autor, será incluído na categoria das publicações ordinárias, cuja apreciação a Sociedade reserva para si. Todavia, sem querer obstar à livre emissão das opiniões pessoais, a Sociedade convida aqueles de seus membros, que tenham a intenção de fazer publicações desse gênero, a que previamente lhe peçam o parecer oficioso, no interesse da ciência.
Art. 27° - Querendo manter no seu seio a unidade de princípios e o espírito de recíproca tolerância, a Sociedade poderá resolver a exclusão de qualquer de seus sócios que se constitua causa de perturbação, ou se lhe tome abertamente hostil, mediante escritos comprometedores para a Doutrina, opiniões subversivas, ou por um modo de proceder que ela não possa aprovar. A exclusão, porém, não pode ser decretada, senão depois de prévio aviso oficioso, se este ficar sem efeito, e depois de ouvir o sócio inculpado, se ele entender conveniente explicar-se. A decisão será tomada por escrutínio secreto e pela maioria de três quartos dos membros presentes.
Art. 28° - O sócio que voluntariamente se retire, no correr do ano, não poderá reclamar a diferença das cotas que haja pago. Essa diferença, porém, será reembolsada, no caso de exclusão decretada pela Sociedade.
Art. 29° - O presente regulamento poderá ser modificado, quando for conveniente. As propostas de modificação não poderão ser feitas à Sociedade, senão pelo órgão de seu Presidente, ao qual deverão ser transmitidas e no caso de terem sido admitidas pela comissão.
Pode a Sociedade, sem modificar o seu regulamento nos pontos essenciais, adotar todas as medidas complementares que lhe pareçam necessárias."

("O Livro dos Médiuns", Allan Kardec)

"BIOGRAFIA DE ALLAN KARDEC"



"Primeira Parte"

"Biografia de Allan Kardec"



"É sob o golpe da dor profunda causada pela partida prematura do venerável fundador da Doutrina Espírita, que abordamos a nossa tarefa, simples e fácil para as sua mãos sábias e experimentadas, mas cujo peso e gravidade nos acabrunhariam se não contássemos com o concurso eficaz dos bons Espíritos e a indulgência dos nossos leitores.
Quem, entre nós, sem ser taxado de presunçoso, poderia se gabar de possuir o espírito de método e de organização dos quais se iluminam todos os trabalhos do mestre? Sua poderosa inteligência podia concentrar sozinha tantos materiais diversos, e triturá-los, transformá-los, para se derramarem em seguida como orvalho benfazejo, sobre as almas desejosas de conhecerem e de amarem.
Incisivo, conciso, profundo, sabia agradar e se fazer compreendido, numa linguagem ao mesmo tempo simples e elevada, tão longe do estilo familiar quanto das obscuridades da metafísica.
Multiplicando-se sem cessar, pudera, até aqui, bastar a tudo. Entretanto, o crescimento diário de suas relações e o desenvolvimento incessante do Espiritismo faziam-lhe sentir a necessidade de acompanhar-se de alguns ajudantes inteligentes, e preparava, simultaneamente, a organização nova da Doutrina e de seus trabalhos, quando nos deixou para ir, num mundo melhor, colher a sanção da missão cumprida, e reunir os elementos de uma nova obra de devotamento e de sacrifício.
Ele era só!... Chamar-nos-emos legião, e, por fracos e inexperientes que sejamos, temos a íntima convicção de que nos manteremos à altura da situação, se, partindo dos princípios estabelecidos e de uma evidência incontestável, nos fixarmos em executar, tanto quanto nos seja possível, e segundo as necessidades do momento, os projetos de futuro que o próprio Sr. Allan Kardec se propusera cumprir.
Enquanto estivermos nesse caminho, e que todas as boas vontades se unirem num comum esforço para o progresso intelectual e moral da Humanidade, o Espírito do grande filósofo estará conosco e nos secundará com a sua poderosa influência. Possa ele suprir a nossa insuficiência, e possamos nos tornar dignos de seu concurso, em nos consagrando à obra com tanto devotamento e sinceridade, senão com tanto de ciência e de inteligência!
Escrevera sobre a sua bandeira estas palavras: Trabalho, solidariedade, tolerância. Sejamos, como ele, infatigáveis; sejamos, segundo os seus desejos, tolerantes e solidários, e não temamos em seguir o seu exemplo repondo vinte vezes entre as mãos os princípios ainda discutidos. Apelamos a todos os concursos, a todas as luzes. Tentaremos avançar com certeza antes que com rapidez, e os nossos esforços não serão infrutíferos, se, como disso estamos persuadidos, e como lhe seremos os primeiros a dar o exemplo, cada um se empenhar em cumprir o seu dever, colocando de lado toda questão pessoal para contribuir ao bem geral.
Não poderíamos entrar sob auspícios mais favoráveis na nova fase que se abre para o Espiritismo, do que fazendo os nossos leitores conhecerem, num rápido esboço, o que foi, toda a sua vida, o homem íntegro e honrado, o sábio inteligente e fecundo, cuja memória se transmitirá aos séculos futuros, cercada da auréola dos benfeitores da Humanidade.
Nascido em Lyon, a 3 de outubro de 1804, de uma antiga família que se distinguiu na magistratura e na advocacia, o Sr. Allan Kardec (Hippolyte-Léon-Denizard Rivail) não seguiu essa carreira. Desde sua primeira juventude, sentia-se atraído para o estudo das ciências e da filosofia.
Educado na Escola de Pestalozzi, em Yverdum (Suíça), tornou-se um dos discípulos mais eminentes desse célebre professor, e um dos zelosos propagadores do seu sistema de educação, que exerceu uma grande influência sobre a reforma dos estudos na Alemanha e na França.
Dotado de uma inteligência notável e atraído para o ensino pelo seu caráter e as suas aptidões especiais, desde a idade de quatorze anos, ensinava o que sabia àqueles de seus condiscípulos que tinham adquirido menos do que ele. Foi nessa escola que se desenvolveram as idéias que deveriam, mais tarde, colocá-lo na classe dos homens de progresso e dos livres pensadores.
Nascido na religião católica, mas estudante em um país protestante, os atos de intolerância que ele teve que sofrer a esse respeito, lhe fizeram, em boa hora, conceber a idéia de uma reforma religiosa, na qual trabalhou no silêncio durante longos anos, com o pensamento de chegar à unificação das crenças; mas lhe faltava o elemento indispensável para a solução desse grande problema.
O Espiritismo veio mais tarde lhe fornecer e imprimir uma direção especial aos seus trabalhos.
Terminados os seus estudos, veio para a França. Dominando a fundo a língua alemã, traduziu para a Alemanha diferentes obras de educação e de moral, e, o que é característico, as obras de Fénélon, que o seduziram particularmente.
Era membro de várias sociedades sábias, entre outras da Academie Royale d’Arras, que, em seu concurso de 1831, o premiou por uma dissertação notável sobre esta questão: "Qual é o sistema de estudos mais em harmonia com as necessidades da época?"
De 1835 a 1840, fundou, em seu domicílio, à rua de Sèvres, cursos gratuitos, onde ensinava química, física, anatomia comparada, astronomia, etc.; empreendimento digno de elogios em todos os tempos, mas sobretudo numa época em que um bem pequeno número de inteligências se aventurava a entrar nesse caminho.
Constantemente ocupado em tornar atraentes e interessantes os sistemas de educação, inventou, ao mesmo tempo, um método engenhoso para aprender a contar, e um quadro mnemônico da história da França, tendo por objeto fixar na memória as datas dos acontecimentos notáveis e das descobertas que ilustraram cada reinado.
Entre as suas numerosas obras de educação, citaremos as seguintes: Plano proposto para a melhoria da instrução pública (1828); Curso prático e teórico de aritmética, segundo o método de Pestalozzi, para uso dos professores primários e das mães de família (1829); Gramática Francesa Clássica (1831); Manual dos Exames para os diplomas de capacidade; Soluções arrazoadas das perguntas e problemas de aritmética e de geometria (1846); Catecismo gramatical da língua francesa (1848); Programa de cursos usuais de química, física, astronomia, fisiologia, que ele professava no LYCÉE POLYMATHIQUE; Ditado normal dos exames da Prefeitura e da Sorbonne, acompanhado de Ditados especiais sobre as dificuldades ortográficas (1849), obra muito estimada na época de sua aparição, e da qual, recentemente ainda, se faziam tirar novas edições.
Antes que o Espiritismo viesse a popularizar o pseudônimo Allan Kardec, como se vê, soube se ilustrar por trabalhos de uma natureza toda diferente, mas tendo por objeto esclarecer as massas e ligá-las mais à sua família e ao seu país.
"Por volta de 1855, desde que duvidou das manifestações dos Espíritos, o Sr. Allan Kardec entregou-se a observações perseverantes sobre esse fenômeno, e se empenhou principalmente em deduzir-lhe as conseqüências filosóficas. Nele entreviu, desde o início, o princípio de novas leis naturais; as que regem as relações do mundo visível e do mundo invisível; reconheceu na ação deste último uma das forças da Natureza, cujo conhecimento deveria lançar luz sobre uma multidão de problemas reputados insolúveis, e compreendeu-lhe a importância do ponto de vista religioso.
"As suas principais obras sobre essa matéria são: O Livro dos Espíritos, para a parte filosófica e cuja primeira edição apareceu em 18 de abril de 1857; O Livro dos Médiuns, para a parte experimental e científica (janeiro de 1861); O Evangelho Segundo o Espiritismo, para a parte moral (abril de 1864); O Céu e o Inferno, ou a Justiça de Deus segundo o Espiritismo (agosto de 1865); A Gênese, os Milagres e as Predições (janeiro de 1868); a Revista Espírita, jornal de estudos psicológicos, coletânea mensal começada em 1º de janeiro de 1858. Fundou em Paris, a 1º de abril de 1858, a primeira Sociedade espírita regularmente constituída, sob o nome de Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, cujo objetivo exclusivo era o estudo de tudo o que pode contribuir para o progresso desta nova ciência. O Sr. Allan Kardec nega a justo título de nada ter escrito sob a influência de idéias preconcebidas ou sistemáticas; homem de um caráter frio e calmo, ele observou os fatos, e de suas observações deduziu as leis que os regem; no primeiro deu a teoria e nele formou um corpo metódico e regular.
"Demonstrando que os fatos falsamente qualificados de sobrenaturais estão submetidos a leis, ele os faz entrar na ordem dos fenômenos da Natureza, e destrói assim o último refúgio do maravilhoso, e um dos elementos da superstição.
"Durante os primeiros anos, em que se duvidou dos fenômenos espíritas, essas manifestações foram antes um objeto de curiosidade; O Livro dos Espíritos fez encarar a coisa sob qualquer outro aspecto; então abandonaram-se as mesas girantes que não foram senão um prelúdio, e que se reunia a um corpo de doutrina que abarcava todas as questões que interessam à Humanidade.
"Do aparecimento de O Livro dos Espíritos data a verdadeira fundação do Espiritismo, que, até então, não possuía senão elementos esparsos sem coordenação, e cuja importância não pudera ser compreendida por todo o mundo; a partir desse momento, também, a doutrina fixa a atenção dos homens sérios e toma um desenvolvimento rápido. Em poucos anos, essas idéias acharam numerosos adeptos em todas as classes da sociedade e em todos os países. Esse sucesso, sem precedente, liga-se sem dúvida às simpatias que essas idéias encontraram, mas deveu-se também, em grande parte, à clareza, que é um dos caracteres distintivos dos escritos de Allan Kardec.
"Abstendo-se de fórmulas abstratas da metafísica, o autor soube se fazer ler sem fadiga, condição essencial para a vulgarização de uma idéia. Sobre todos os pontos controvertidos, sua argumentação, de uma lógica fechada, ofereceu pouca disputa à refutação e pre-dispôs à convicção. As provas materiais que o Espiritismo dá da existência da alma e da vida futura tendem à destruição das idéias materialistas e panteístas. Um dos princípios mais fecundos dessa doutrina, e que decorre do precedente, é o da pluralidade das existências, já entrevisto por uma multidão de filósofos, antigos e modernos, e nestes últimos tempos por Jean Reynaud, Charles Fourier, Eugène Sue e outros; mas permanecera no estado de hipótese e de sistema, ao passo que o Espiritismo demonstra-lhe a realidade e prova que é um dos atributos essenciais da Humanidade. Desse princípio decorre a solução de todas as anomalias aparentes da vida humana, de todas as desigualdades intelectuais, morais e sociais; o homem sabe, assim, de onde veio, para onde vai, e por que fim está sobre a Terra, e porque sofre.
"As idéias inatas se explicam pelos conhecimentos adquiridos nas vidas anteriores; a marcha dos povos e da Humanidade, pelos homens dos tempos passados que revivem depois de terem progredido; as simpatias e as antipatias, pela natureza das relações anteriores; essas relações, que ligam a grande família humana de todas as épocas, dão por base as próprias leis da Natureza, e não mais uma teoria, aos grandes princípios da fraternidade, da igualdade, da liberdade e da solidariedade universal.
"Em lugar do princípio: Fora da Igreja não há salvação, que entretém a divisão e a animosidade entre as diferentes seitas, e que fez derramar tanto sangue, o Espiritismo tem por máxima: Fora da Caridade não há salvação, quer dizer, igualdade entre os homens diante de Deus, a tolerância, a liberdade de consciência e a benevolência mútua.
"Em lugar da fé cega que anula a liberdade de pensar, ele diz: Não há fé inquebrantável senão aquela que pode olhar a razão face a face em todas as épocas da Humanidade. À fé é necessária uma base, e essa base é a inteligência perfeita daquilo que se deve crer; para crer não basta ver, é necessário, sobretudo, compreender. A fé cega não é mais deste século; ora, é precisamente o dogma da fé cega que faz hoje o maior número de incrédulos, porque ela quer se impor e exige a adição de uma das mais preciosas faculdades do homem: o raciocínio e o livre arbítrio." (O Evangelho Segundo o Espiritismo.)
Trabalhador infatigável, sempre o primeiro e o último no trabalho, Allan Kardec sucumbiu, no dia 31 de março de 1869, em meio dos preparativos para uma mudança de local, necessitada pela extensão considerável de suas múltiplas ocupações. Numerosas obras que estavam no ponto de terminar, ou que esperavam o tempo oportuno para aparecerem, virão um dia provar mais ainda a extensão e a força de suas convicções.
Morreu como viveu, trabalhando. Há muitos anos, sofria de uma doença do coração, que não podia ser combatida senão pelo repouso intelectual e uma certa atividade material; mas inteiramente dedicado à sua obra, recusava-se a tudo o que podia absorver um dos seus instantes, às expensas de suas ocupações prediletas. Nele, como em todas as almas fortemente temperadas, a lâmina gastou a bainha.
O corpo se lhe tornava pesado e lhe recusava os seus serviços, mas o seu Espírito, mais vivo, mais enérgico, mais fecundo, estendia sempre mais o círculo de sua atividade.
Nessa luta desigual, a matéria não poderia resistir eternamente. Um dia ela foi vencida; o aneurisma se rompeu, e Allan Kardec caiu fulminado. Um homem faltava à Terra; mas um grande nome tomava lugar entre as ilustrações deste século, um grande Espírito ia se retemperar no Infinito, onde todos aqueles que ele consolara e esclarecera esperavam impacientemente a sua chegada!
"A morte, disse ele ainda recentemente, a morte bate com golpes redobrados nas classes ilustres!... A quem virá agora libertar?"
Ele veio, junto a tantos outros, se retemperar no espaço, procurar novos elementos para renovar o seu organismo usado numa vida de labores incessantes. Partiu com aqueles que serão os faróis da nova geração, para retornar logo com eles para continuar e terminar a obra deixada em mãos devotadas.
O homem aqui não mais está, mas a alma permanece entre nós; é um protetor seguro, uma luz a mais, um trabalhador infatigável do qual se acresceram as falanges do espaço. Como sobre a Terra, sem ferir ninguém, saberá fazer ouvir a cada um os conselhos convenientes; temperará o zelo prematuro dos ardentes, secundará os sinceros e os desinteressados, e estimulará os tíbios. Ele vê, sabe hoje tudo o que previra recentemente ainda! Não está mais sujeito nem às incertezas, nem aos desfalecimentos, e nos fará partilhar a sua convicção em nos fazendo tocar o dedo no objetivo, em nos designando o caminho, nessa linguagem clara, precisa, que dele fez um tipo nos anais literários.
O homem aqui não mais está, nós o repetimos, mas Allan Kardec é imortal, e a sua lembrança, os seus trabalhos, o seu Espírito, estarão sempre com aqueles que tiverem, firme e altamente, a bandeira que ele sempre soube respeitar.
Uma individualidade poderosa constituiu a obra; era o guia e a luz de todos. A obra, sobre a Terra, nos terá o lugar do indivíduo. Não se reunirá mais ao redor de Allan Kardec: reunir-se-á ao redor do Espiritismo tal como o constituiu, e, pelos seus conselhos, sob a sua influência, avançaremos a passos certos para as fases felizes prometidas à Humanidade regenerada.
(Revista Espírita, maio de 1869)."

("Obras Póstumas", Allan Kardec)


quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

"ATRIBUTOS DA DIVINDADE"


"Parte Primeira – As Causas Primárias"

"Capítulo 1 – Deus"

Deus e o infinito – Provas da existência de Deus – Atributos da Divindade – Panteísmo

"Atributos da Divindade"



"10 O homem pode compreender a natureza íntima de Deus?
– Não, falta-lhe, para isso, um sentido.
11 Um dia será permitido ao homem compreender o mistério da Divindade?
– Quando seu Espírito não estiver mais obscurecido pela matéria e, pela sua perfeição, estiver mais próximo de Deus, então o verá e o compreenderá.
☼ A inferioridade das faculdades do homem não lhe permite compreender a natureza íntima de Deus. Na infância da humanidade, o homem O confunde muitas vezes com a criatura, da qual lhe atribui as imperfeições; mas, à medida que o senso moral nele se desenvolve, seu pensamento compreende melhor o fundo das coisas e ele faz uma idéia de Deus mais justa e mais conforme ao seu entendimento, embora sempre incompleta.
12 Se não podemos compreender a natureza íntima de Deus, podemos ter idéia de algumas de suas perfeições?
– Sim, de algumas. O homem as compreende melhor à medida que se eleva acima da matéria. Ele as pressente pelo pensamento.
13 Quando dizemos que Deus é eterno, infinito, imutável, imaterial, único, todo-poderoso, soberanamente justo e bom, não temos uma idéia completa de seus atributos?
– Do vosso ponto de vista, sim, porque acreditais abranger tudo. Mas ficai sabendo bem que há coisas acima da inteligência do homem mais inteligente e que a vossa linguagem, limitada às vossas idéias e sensações, não tem condições de explicar. A razão vos diz, de fato, que Deus deve ter essas perfeições em grau supremo, porque se tivesse uma só de menos, ou que não fosse de um grau infinito, não seria superior a tudo e, por conseguinte, não seria Deus. Por estar acima de todas as coisas, Ele não pode estar sujeito a qualquer instabilidade e não pode ter nenhuma das imperfeições que a imaginação possa conceber.
☼ Deus é eterno. Se Ele tivesse tido um começo teria saído do nada, ou teria sido criado por um ser anterior. É assim que, de degrau em degrau, remontamos ao infinito e à eternidade.
É imutável; se estivesse sujeito a mudanças, as leis que regem o universo não teriam nenhuma estabilidade.
É imaterial, ou seja, sua natureza difere de tudo o que chamamos matéria; de outro modo não seria imutável, porque estaria sujeito às transformações da matéria.
É único; se houvesse vários deuses, não haveria unidade de desígnios, nem unidade de poder na ordenação do universo.
É todo-poderoso, porque é único. Se não tivesse o soberano poder, haveria alguma coisa mais ou tão poderosa quanto Ele; não teria feito todas as coisas e as que não tivesse feito seriam obras de um outro Deus.
É soberanamente justo e bom. A sabedoria providencial das Leis Divinas se revela nas menores como nas maiores coisas, e essa sabedoria não permite duvidar de sua justiça nem de sua bondade."

("O Livro dos Espíritos", Allan Kardec)